30 de janeiro de 2010

A Fantástica Banda Musical

Seguindo os relatos da Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância, hoje será descrita a banda musical da cidade, que será uma das chaves em estórias futuras. Com vocês, A Fantástica Banda Musical.

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Havia naquela prodigiosa e distante paróquia, uma banda musical. Que seria fantástica, se não fosse trágica. E seria trágica, se não fosse cômica. Pouco ensaiavam, mas apresentavam-se normalmente nos dias de Marte e nos dias de Júpiter, pontualmente no mesmo horário e com a "graça de deus".

Três membros daquela vultuosa banda eram categoricamente unidos, embora raramente a música de cada um estivesse harmonizada com a do parceiro ao lado. Eles eram carinhosamente apelidados de "O Gordo, o Magro e o Feio", e embora não fossem músicos notórios faziam enorme barulho na banda. O Gordo e seu pandeiro-de-boi, o Magro e seu oboé e o Feio e sua balalaica.

Havia outros dois membros bastante intrigantes nessa banda, discretos e inusitados, eu diria. O Professor Dr. Fausto, vindo da Magnífica Escola de Física Nuclear, especialsta em tocar órgão e dividir tempo entre as partituras e o jornal de ontem. E também, El Comodoro, proprietário de um circo itinerante que se chegou na cidade e nunca mais partiu, um homem simples porém muito mais discreto, ignorante ao seu modo, era extremamente habilidoso com um tamborim.

O mais velho músico não merece menção, pois afinal ele sopra um apito, seria incapaz de tocar outra coisa. O homem mais estranho da banda, Gargamel*, em seus dias de cão não respeitava ninguém com seu teremim, mas dizem que a sua esposa nunca lhe fala duas vezes. A mulher que integrava aquela banda, era esperta como uma víbora, há quem sustente que ela deseja um dia se tornar a maestrina e assumir o lugar do Regente, assim liderando a banda com sua lira.

Por último, o Regente e seu xilofone. O Regente era um homem rude, despido de educação e elegância, mas como a maioria dos paroquianos, tentava esconder isso em uma "chiqueza" transvestida de poder. Levava a banda em punho de ferro, e não admitia erros nem mesmo dos Carnivales, assim eram chamados os que auxiliavam os músicos.

Era uma banda musical fantástica, despida de cultura, de conhecimento musical e de qualquer outra veia de cultura. O que importava mesmo era o "Bolsa-Música", um programa estatal que (bene)financiava os músicos da Bruzundanga. Assim, encerro a apresentação dessa banda fantástica.


Abraço. Boa leitura.


*Nota: Gargamel é o personagem de um antigo desenho infantil, "Os Smurfs". Na animação Gargamel é o principal inimigo dos Smurfs.

29 de janeiro de 2010

O Causo do Queijo de Coalho

Ocasionalmennte, me darei ao luxo de contar mais causos da Longínqua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância. Segue um muito curioso: O Causo do Queijo de Coalho.

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Em um dos poucos redutos do pensamento levianamente considerado profano, ou ponderadamente dotado de um mínimo de moral, estavam reunidas diversas facetas da desnivelada pirâmide social para um evento de extrema riqueza cultural para uns e extrema estranheza cultural para outros.

E lá estava o homem inconveniente, com suas galochas de borracha sintética, a velha calça rasgada e um corselete de couro batido, de posse do tradicional cachimbo* em uma caneca de pau de jucá a observar cada detalhe: os ricos em cultura e os ricos em "chiqueza". E assim dividiu a noite em momentos gratificantes e risadas comedidas para não chamar atenção.

A literatura transmitida com maestria naquela noite de céu estrelado ao redor de uma alta fogueira deu lugar a um momento em que, instintivamente, todos os seres humanos dão uma pausa no pensamento, e focam-se no alimento. A comida posta à mesa, detinha das mais variadas especiarias.

As cozinhas dos mais diversos países saciavam a fome de todos os presentes, ou pelo menos serviam como um meio de despistar as lombrigas dos mais afoitos. Escargô, diversas variedades de pizza, sushi, sashimi, um potiche com um chá de ginseng, diversos tipos de carne, e o item que proporcionaria ao homem inconveniente o clímax da noite: queijo gorgonzola.

Enquanto degustava um dos vinhos oferecidos acompanhando-o com o sabor de um exótico queijo de origem hindu-australiana, ele foi abordado por uma daquelas damas, que mais parecem o Senhor Fantástico** de tão esticada a face. A madame, curvou-se do seu lado esticando-se para alcançar o queijo gorgonzola, pegou alguns pedaços e engoliu com uma fineza digna de um gorila.

Antes de sair, sorriu para o homem ali prostrado em sua frente e exclamou: "Esse queijo de coalho com orégano está delicioso". Contido, o homem calmamente deixou o lugar para em seguida gargalhar demasiadamente pelo resto da noite.


Abraço. Boa leitura.


*N.A.: "Cachimbo", refere-se a uma bebida preparada com cachaça e mel de abelha.
**N.A.: O Senhor Fantástico é um integrante do Quarteto Fantástico, grupo de heróis de histórias em quadrinhos da Marvel Comics, ele também é conhecido como Homem Elástico.

24 de janeiro de 2010

A Longínqua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância

Subiam-se e desciam-se mais de uma centena de léguas, por entre serras e florestas, para que enfim fosse possível chegar até a longínqua paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância. Uma pequena cidade paroquiana - porque dizer que era um lugar provinciano seria colocá-lo anos luz de modernidade à frente - nos embrenhados do país da Bruzundanga*.

Havia pois, naquela paróquia tantos motivos para riso quanto fosse possível, ou até mais. Afinal, o mundo é uma tragédia para os que sentem e uma comédia para os que pensam. E era exatamente assim na pequena paróquia. Era cômico observar a santa ignorância dos homens, de todos os tipos, mas todos pseudo. Pseudo-artistas, pseudo-soldados, pseudo-elegantes, pseudo-políticos, pseudo-modestos, e até, pasmem, pseudo-clérigos.

Mas dentre todos os homens dali, havia um, que esse conseguia ser o mais incoveniente de todos. Não pela sua ignorância, mas pela forma que tratava a ignorância alheia, para ele, era sempre cômico. Do seu ponto de vista, os olhares atravessados que recebia, nada mais eram de que o mérito de pensar, algo deveras raro, naquela paróquia submersa em um proselitismo multifacetado e ignóbil.

Ser rotulado como um membro ignorável da pseudo-sociedade paroquiana era algo que o desagradava, mas não por outro motivo, se não porque ignoráveis eram todos os fakes produzidos por aquela high society mesquinha, que teimava e anseiava em ser "chique", a um bom jornalista - profissional incomum pela paróquia - não faltariam gafes para uma coluna social. E não sobrariam restos mortais de sua reputação depois que os urubus sociais a escarniçassem.

Mas o bom, era provocar a pseudo-classe. E zombar de seus olhares esganiçadores e espantados ao ver que, um daqueles que eles taxam ignoráveis, está fazendo algo que, em seu cérebro de noz, só seria possível a um de seus iguais, jamais por um ignorável. E isso, aquele homem, o mais inconveniente de todos sabia bem fazer, só lhe custava ser discreto, pouco aguentava ter que manter-se firme, quando o gosto seria desdenhar.

Mas há um tempo para tudo. Aos membros da pseudo-classe, que o tempo do homem inconveniente nunca chegue.


Abraço. Boa leitura.


*Nota: "Bruzundanga", é uma menção à República dos Estados Unidos da Bruzundanga, país fictício, cenário do livro Os Bruzundangas, de Lima Barreto.

16 de janeiro de 2010

O Viajante

O viajante estava sentindo o cansaço há alguns meses. Afinal, estava nessa jornada há mais de vinte anos. E pouco tinha parado para descansar, sempre carregara consigo um ímpeto que por vezes se misturava com a estupidez. Outras vezes travestia suas vontades com uma ganância digna dos tiranos a quem ele nunca se curvou de fato.

Mas o viajante sempre carregou algo precioso consigo, um segredo precioso, que poucos conheciam, e menos ainda dominavam de fato. Carrega consigo um livro com conhecimentos os mais variados, algo que poderia transformar um homem em um deus se usado da maneira correta. E justamente essa maneira correta custava caro para quem o fizesse, tão caro que o homem relutava em usá-lo.

E muitas vezes acabava pagando preços ainda mais altos. Mas era nisso que acreditava, grandes sacrifícios traziam grandes recompensas. E ele não estava disposto a sacrificar nada importante para ele, e assim acabava sofrendo grandes perdas. O tempo foi passando e ele relutou sempre em sacrificar qualquer coisa, e incrivelmente perdeu tudo.

Afogou-se na tristeza, e por muito tempo não ousou sequer abrir novamente o tal livro. Mas nunca parou de viajar, era isso que nunca lhe seria tirado talvez. Conseguiu ser livre, de fato, mas o custo foi muito alto, muito mais alto que qualquer outro, ele perdeu tudo. Só lhe restou a liberdade.

Não aguentava mais, o cansaço dos últimos meses o afligia por demais. Encostou em uma árvore e descansou por algumas horas. Um descanso há muito desejado, mas talvez considerado desmerecido. Ao acordar, ele enxergou um senhor de roupas esquisitas parado diante dele, sentado, com as pernas cruzadas. Lendo o livro que ele carregara por tanto tempo.

Ao ver o livro, o viajante levantou-se indo na direção do homem, que olhou para ele, e acenou para a bolsa dele. O livro que o homem estava nas mãos era idêntico ao do viajante, mas não era o dele. O velho perguntou desde quando ele carregava o livro, o viajante deu de ombros, o tinha desde sempre. Foi quando o homem simplesmente rasgou o livro que lia, e foi embora.

O viajante gritou chamando-o, o homem parou e olhou pra trás. Pôs o dedo na cabeça e fez um sinal de negativo, em seguida apontou para o coração. O viajante sorriu. Deixou o livro debaixo da árvore, já o havia lido completamente, não precisava mais dele. E começou a caminhar rumo ao horizonte. E o doce viajante atravessou o Universo e foi além do arco-íris.


Abraço. Boa leitura.

15 de janeiro de 2010

Coisas Inúteis

As coisas inúteis simplesmente não deveriam existir. O que não soma deveria ser simplesmente deletado. Como um arquivo inútil de computador. Mas as pessoas insistem em manter coisas inúteis. Uma caixa velha. Um disco arranhado. Uma televisão queimada. Uma embalagem de chocolate.

São inúteis desimportando qualquer "valor sentimental". Ora, as lembranças fazem melhor que qualquer objeto. O que realmente foi bom, digno de ter o tal "valor sentimental", não precisa de um objeto inútil para continuar vivo. O que foi realmente importante vai viver por causa daqueles "laçoes invisíveis" que o Leoni diz que ficam na fotografia.

Mas eu tenho problema de memória. E agora como vou lembrar?


Abraço. Boa leitura.

12 de janeiro de 2010

Sorriso da Morte

O barco viajava sem rumo, para onde vento o guiasse. Pelo menos assim acontecia enquanto o Capitão descansava. Um dos mais notáveis piratas que já atravessara os Sete Mares, e mesmo assim, um homem infeliz há muito tempo, mas jamais fora cruel.

O dia estava prestes a amanhecer, quando um homem alto, barbudo e ranzinza apareceu em passos lentos no convés. Ele foi até a proa, de onde parecia sentir o cheiro do mar, e de todas as outras coisas por perto. Voltou aos mesmos lentos passos em direção ao leme.

Todos os piratas daquele navio observavam atentamente cada passo do Capitão, um dos piratas mais respeitados dos Sete Mares, mas que a grande maioria jamais vira roubar uma moeda sequer. E isso incomodava alguns, muito embora o Capitão tivesse feito de todos homens ricos sem transformá-los em inimigos públicos.

De repente o Capitão parou, levou às mãos ao colete e retirou uma pequena luneta. Rapidamente levou-a ao olho e virou-se para o sul de onde estavam, olhou atentamente por alguns segundos. E de repente bateu no leme com uma vontade que poucos ali já tinham visto.

Rumo ao que procurava há anos, o Capitão lembrou-se de um velho pensamento que tivera anos antes e os piratas transformaram em ditado. Os melhores tesouros podem ser roubados mil vezes, mas apenas quem o conquistar será capaz de usufruir dele de verdade. Ele sentia o coração palpitar a cada instante, não podia acreditar que estava tão perto de encontrar.

De repente os homens começaram a mover-se para as posições de batalha, um navio aproximava-se e carregava uma bandeira pirata. Foi quando o Capitão interviu, dizendo que não havia necessidade de preoucupações, não haveria confronto algum e ordenou que a bandeira fosse hasteada. Alguns homens mais jovens pensaram em questionar, mas os mais velhos seguiram as ordens do Capitão.

O Capitão caminhou lentamente em direção ao navio que estava emparelhando-se ao seu, ele seria capaz de reconhecer aquele navio em qualquer lugar, em qualquer tempo. Mas de repente, ele sentiu um gosto amargo em sua boca após ouvir um forte estampido, era gosto de sangue. Ele começou a cair suavemente, enquanto seu navio era ferozmente atacado.

Ao tocar o chão ele quase cego enxergou a bandeira finalmente chegando ao topo, ouviu uma voz feminina gritando do outro lado um cessar fogo, e o ataque lentamente cessando. E ele começou a sorrir enquanto fechava os olhos.

Do outro navio uma mulher belíssima saltou em direção ao corpo no chão, mas era tarde demais. O Capitão havia fechado os olhos há alguns segundos. E ela só pode ver o sorriso em seu rosto enquanto começou a derramar lágrimas que carregavam inúmeros sentimentos. Um dos velhos companheiros do Capitão se aproximou sorrindo para ela e falou com atenção:

- Ele cumpriu a promessa. Ainda lembro de quando ela foi feita jovem moça. "E se a única coisa que eu for capaz de fazer por ti for morrer de amor, te garanto que morrerei sorrindo".



Desculpem a ausência. Sentida eu espero.