26 de setembro de 2010

Dias de Saudade

Dias já haviam se passado desde que Miguel falara com ela pela última vez, desde então nenhuma palavra, nenhum sinal de vida. Parecia que suas vidas haviam se desligado, era como se as lembranças do que nunca existiu de fato começassem a desfazer-se.

Naquela madrugada de segunda-feira Miguel ainda sentia o cansaço das comemorações do final de semana, ele havia finalmente conseguido realizar o antigo sonho de escrever um livro.

Saiu com os amigos, bebeu, ensaiou até cantar um samba, o preferido dela, por coincidência. Sair pra uma festa no dia seguinte, se distraiu, e se distraiu.

Mas era incrível como mesmo depois de dias, ela ainda permanecia. Em casa, deitado na cama, olhou o lugar onde costumava manter o porta-retratos com a foto dela, não encontrou, mas ainda assim ela veio em sua mente.

Imaginou como ela estava, o que estava fazendo naquele exato instante, intensamente quis estar com ela. Até pensou em ligar pra ela, mas hesitou e desistiu. Virou-se de lado e tentou adormecer, esperando encontrá-la nos sonhos ou em qualquer outro lugar algum dia.


Abraço. Boa leitura.


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"Sinto que é como sonhar
que o esforço pra lembrar
é a vontade de esquecer..."
(Los Hermanos)

19 de setembro de 2010

"Ele Brilha Lula-lá!"

Estamos há alguns dias das eleições e em grande parte do Brasil o quadro já se mostra com algumas definições, figuras esdrúxulas irão se tornar membros do Congresso Nacional, além é claro dos tradicionais pilantras, e a mulher do Lula parece que vai ganhar.

Mas o que me assusta mesmo são as recentes declarações do Lula, que mostram uma face do Lula que eu, particularmente, sempre apontei e sempre fui criticado: Lula é um fascista tirano!

Primeiro falou em "extirpar o DEM da política brasileira", uma sugestão absurda num momento eleitoral afinal que tipo de ditadura democracia defende o Lula onde não existe oposição?

Depois criticou veementemente a imprensa, acusando, sem citar, que há jornais e revistas que funcionam como partidos políticos. Isso porque a imprensa vem divulgando escândalo após escândalo envolvendo pessoas ligadas ao governo de Lula. E esquece o Lula os tempos em que era o PT que usava a velha copiadora para vazar documentos à imprensa. Os escândalos são tantos que "escandâlo do PT" virou o novo "morrem 6 na Cisjordânia": é algo grave e inconcebível, mas acabou perdendo valor como notícia por ser algo tão comum.

Não a toa Lula é o presidente mais popular da história do Brasil - alegam os petistas -, mas o detalhe é que antes do Lula receber essa alcunha, era Médici o mais popular entre os presidentes. Pra quem não sabe, o governo Médici foi considerado o mais obscuro e repressivo da história do Brasil independente.

Médici respondeu em entrevista que daria um tiro na cabeça se ganhasse um salário mínimo. E o Lula o que faria?


Abraço. Boa leitura.

12 de setembro de 2010

Ideais Falidos

Miguel estava sentado em sua poltrona favorita, ouvindo Ella Fitzgerald, fumando um charuto cubano, tomando "vinho" escocês e desdenhando do pensamento de Karl Marx, enquanto via as cenas da execução do Saddam.

A poltrona começou a ficar desconfortável, o disco arranhado na vitrola começou a soar estranho, o charuto foi ficando mais forte no fim, acabou o uísque. Ele olhou pro teto e concluiu: o amor, a justiça e o socialismo são ideais falidos.

Levantou-se, tomou um banho, pegou a viola colocou nas costas e saiu sem destino. Era incrível a presença que Luiza ainda exercia em sua vida, ainda que o tempo e as tarefas estivessem sendo demasiadamente generosos com Miguel.

Na noite passada, quando um quase desconhecido observou a fotografia de Luiza, que ele carinhosamente escondia num dos bolsos do casaco velho, e disse que ela parecia "extremamente incrível", ele só conseguiu imaginar que mal sabia aquele homem o quanto incrível ela realmente era, mais do que seja possível descrever em uma folha de papel.

Parou no meio do nada, uma praça deserta, sentou e começou a dedilhar suavemente acordes repletos de saudade e de dor.


Abraço. Boa leitura.

6 de setembro de 2010

Vaquejadas: História, Cultura e Tradição

Esses dias recebi um e-mail sobre o fim das touradas espanholas, pondo em xeque as vaquejadas, questionando se deveriam assim como as touradas espanholas acabar. E consegui organizar um pequeno raciocínio acerca do tema.


As touradas foram, de fato, proibidas na Catalunha porém muito mais por questões políticas do que por questões de respeito aos animais ou dinamização da cultura, a decisão, do ponto de vista de especialistas, foi uma 'revanche' do líderes políticos da Catalunha que buscam a autonomia da região. Eu sou contra as touradas, por uma razão simples, não me parece razoável machucar, muitas vezes de maneira letal, um animal por puro e simples entretenimento. E é justamente nesse sentido que - mesmo não sendo fã - eu defendo as vaquejadas, é uma situação completamente da brutalidade praticada nas touradas. Os vaqueiros surgiram para, principalmente, pegar os bois "brabos", e o boi diferente de alguns homens "brabos" não pode ir ao psicológo, era necessário o uso da força (não-letal). No Nordeste, desde a colonização, o gado sempre foi criado solto. A coragem e a habilidade dos vaqueiros eram indispensáveis para que se mantivesse o gado junto. O vaqueiro veio tangendo os bois, abrindo estradas e desbravando regiões. Foram eles os grandes desbravadores do sertão nordestino, e muito especialmente do sertão do Seridó, região cheia de contos e lendas de bois e de vaqueiros. Ignorar a história e a tradição pelas quais os vaqueiros são responsáveis e compará-los às brutais touradas da Espanha, é no mínimo irresponsável, podendo passar pelo profano e chegar ao preconceito. A vaquejada, principalmente para mim que fui criado aqui no Seridó, muito embora não seja um fã e não tenha o costume de ir assistí-las, é uma das manifestações culturais mais importantes do Nordeste brasileiro, renegá-la não é luta de quem defende a cultura nordestina. Na minha humilde opinião, é coisa de quem acha que cultura é apenas um quadro de Picasso, um poema de Álvaro dos Campos, uma escultura de Aleijadinho e gêneros afins, mas acaba esquecendo que não há cultura maior que a história e aqueles que a constroem, e esses merecem respeito, honrarias e lembranças sempre. Não sei se as vaquejadas serão proibidas, mas não espero que sejam.

Quanto a iraniana que será executada, ela relacionou-se enquanto estava casada e é, inclusive, suspeita da morte do marido. Não digo que ela é culpada, até sustento que ela é inocente enquanto não for provado o contrário. Porém acho que as pessoas tem que se preocupar mais com aquele pivete de 11 anos que fuma crack a madrugada inteira muitas vezes a poucos metros de distância de nossas casas, ou nos preocupar com a garota de 14 anos que já transou mais vezes que minha mãe de 53. Essas coisas preocupam-me muito mais que corrida de boi, mas perdoem minha ignorância.


Abraço. Boa leitura.

3 de setembro de 2010

Clichê

Romântico incurável, daqueles que acha que sonhos podem se tornar realidade, e que vai esperar - provavelmente em vão - por toda a vida um amor daqueles bem clichês.

Clichê, o que seria Miguel se não um clichê - e não, não me enganei no pronome é "o que" mesmo -, a vida toda ele tinha sido sempre um clichê, da primeira namorada à primeira virgem. Tratava todas as ocasiões de sua vida como um clichê.

Mas no fundo, tudo que ele queria era justamente o inverso, não queria um clichê. Não queria pipoca com Guaraná, nem fritas com Coca-Cola, menos ainda feijão com arroz. Ele queria mais, muito mais.

Queria algo único, que ele mal sabia o que era. Talvez um ouvir um samba do Cartola enquanto tomava vinho irlandês num pub do interior da Macedônia, ou quem sabe ouvir Brahms bebendo saquê numa boate carioca. É algo difícil de definir.

Cedo ou tarde ela se casaria, e mais um dos seus clichês chegaria ao fim, mais uma vez sem final feliz. Ele sentia vontade de pegar o carro na garagem, ir atrás dela e impedí-la, mas não podia deixar os compromissos de lado.

Do outro lado da rua, no bar da esquina Miguel observava a diversão alheia.


Abraço. Boa leitura.

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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)