29 de agosto de 2011

Noite e Dia

Não suportava mais aquele lugar cheio de pessoas estranhas. Um velho balbuciando provérbios populares, uma moça fazendo apelos para jovens afegãos refugiados na Argélia, um rapaz falando sobre conjecturas econômicas que não tinham qualquer sentido e, o mais estranho, dois irmãos siameses defendendo a liberdade de expressão ilimitada.

Perdeu a paciência, juntou seus papéis e rapidamente guardou tudo em sua maleta. Era um dos mais estranhos congressos de pseudociência que já tivera participado, mas outra coisa ocupava seus pensamentos, outra pessoa, aliás.

Ele não conseguia sequer lembrar-se da última vez que aquela sensação estivera presente em seu dia. Mesmo acordado ainda continuava sonhando e ela lá estava, num daqueles sonhos em que o menos importante é acordar. E nisso tudo a única coisa que ele não conseguia era encontrar uma explicação razoável, embora isso não fizesse diferença.

Preferiu um ônibus ao invés de um táxi pra ir do congresso para sua casa. O percurso de pouco mais de uma hora pareceu uma eternidade se comparado à rapidez com que passou aquela noite, faria qualquer para que o tempo tivesse passado mais devagar, pra que o céu tardasse em clarear, as estrelas eram muito mais incríveis, mas não tanto quanto ela.

Chegou em casa e quando abriu porta deu de cara com sua bagunça, olhou rapidamente a foto colada no espelho e sorriu para si mesmo esperando que as coisas realmente melhorassem e sentindo uma saudade agradável.


Abraço. Boa leitura.

26 de agosto de 2011

Piada Sem Graça

"Sempre que a Polícia Federal descumprir a lei, obviamente nós tomaremos as medidas cabíveis e necessárias para punição daqueles que foram os infratores".

O Ministro da Justiça, o senhor José Eduardo Cardozo, é mesmo um brincalhão, fazendo uma afirmação tão categórica se referindo à Polícia Federal. Acho que finalmente sabemos quem vigia os vigilantes: é o Ministro da Justiça.

Ele deveria cobrar rigor para os colegas de governo que estão saqueando os cofres públicos, mas isso ele não faz. E a pergunta é: não faz porque? Por que o povo é burro, é quadrado. O nosso regime é uma espécie de totalitarismo civil.

No Congresso temos uma oposição moribunda depois do fiasco eleitoral nas últimas eleições - Lula conseguiu desbancar vários de seus ferrenhos opositores -, o Palácio do Planalto faz o que quer com o aval do Congresso, leia-se do PMDB, e o povo, burro e coitado, acha que tudo está maravalhoso.

É uma realidade deprimente. Uma solução, pouco racional e com chances praticamente nulas de funcionar, seria qualquer coisa parecida com a primavera árabe. Tenho andado de saco cheio com tanta pilantragem.


Abraço. Boa leitura.

12 de agosto de 2011

Indignação Oportuna

E mais uma vez eu venho aqui ser o paladino da discórdia, aquele que para alguns sempre faz questão de estar do lado oposto. O motivo é bem simples, ou nem tanto, isso depende, é óbvio, do ponto de vista, mas o fato é que uma juíza morreu, foi assassinada na frente de seu condomínio, possivelmente, por estar cumprindo seu dever.

E eu lhes pergunto: e daí? A toga faz dessa mulher alguém superior? Porque tanta indignação? Porque tanta repercussão?

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi a imprensa e declarou que "esse crime não vai ficar impune. Acredito que todos os criminosos serão identificados, julgados e condenados". Que me perdoem os puxa-sacos de plantão, mas um juiz não é melhor que qualquer outro cidadão e essa declaração do presidente do TJ-RJ é estúpida.

Vi diversas manifestações nas redes sociais de repúdio à execução da juíza, a grande maioria dessas manifestações de pessoas ligadas ao Direito. Acho que as pessoas deveriam se indignar com as mortes diárias do crime, com as pessoas comuns que são vítimas da bandidagem. Sentir-se indignado porque uma juíza morreu é puro oportunismo.

O fato é que ninguém, ou quase ninguém, cansa em levar uma vida politicamente correta. É muito mais conveniente e, no fim, agrada mais. Tenho certeza que boa parte das pessoas que frequentemene perdem tempo lendo o que escrevo esperava que eu fosse escrever um texto ácido criticando o crime.

Criticar o crime é fácil, principalmente quando a nossa sociedade dá mostras de que o crime compensa. Do mesmo modo é fácil demonstrar indignação com a morte de uma juíza que a maior parte das pessoas - tão indignadas - sequer conheciam, mas pelo fato de ser juíza...

Nosso povo é tão ridículo por vezes que é possível que ficassem todos indignados se algum maluco desse um tiro na cabeça do Sarney só por ele ser corrupto.


Abraço. Boa leitura.

3 de agosto de 2011

E a Isonomia?

"Se pode usar camiseta com foto de maconha, porque não pode com estampa da Scuderie Le Cocq?"

A pergunta é de um juiz de Direito que sonha com o fim da impunidade. Resolvi, então, falar sobre esse polêmico assunto, que não é descriminalização da maconha, mas o uso indiscriminado do princípio da isonomia. O fato é que o princípio constitucional da isonomia vem sendo usado de uma forma pouco isonômica.

A sociedade de uma forma ampla, embora cada grupo de acordo com sua conveniência, vem recorrendo à isonomia de forma descontrolada. O tráfico é crime, fazer apologia ao uso de maconha é, ainda que indiretamente, fazer apologia ao tráfico. E vai aparecer alguém dizendo que eu estou errado, que são dois pesos e duas medidas, que o usuário não tem nenhuma relação com o tráfico - tanto não tem, que se não houvessem usuários o tráfico sucumbiria.

Proibir as camisas da Le Cocq e permitir camisas fazendo apologia à maconha é no mínimo controverso. Isso, sim, é aplicar dois pesos e duas medidas, é mandar o princípio da isonomia que as minorias tanto propagam aos quatro cantos - e a sua bel conveniência - à merda.

O que eu antevejo, e espero que não aconteça, é nosso país caminhar rumo a um estado de segregação. E em várias escalas: racial, sexual, política, religiosa e de classes. Isso é um pesadelo, é perigoso, mas pode acontecer e se as pessoas não entenderem o que é a isonomia e que pra se falar em isonomia é preciso fazê-lo de forma ampla e irrestrita.

As pessoas têm liberdade de escolha, mas o texto constitucional diz, também, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais". Em sendo a isonomia um direito fundamental, quem atentar contra ela, ou pior, lesá-la deve ser devidamente punido.


Abraço. Boa leitura.