22 de março de 2011

Amargura

Ele observou o porta-retratos por alguns segundos antes de fechar a porta do quarto. Colocou a bolsa nas costas e saiu. Ignorou a tia que perguntou aonde ele ia. Olhou a hora no relógio cerca de vinte vezes nos dez metros que separam a porta de seu quarto e a porta de casa.

Subiu na sua velha motocicleta, que ele carinhosamente apelidava de Donabella. E arrancou cortando o vento. Para quem estava nas ruas por onde ele passava com tanta rapidez, poderia dizer que ele estava sem rumo certo, mas ele já tinha feito aquele caminho tantas vezes que Donabella parecia estar no piloto automático.

Ele diminuía velocidade sempre que se aproximava do prédio, passava pela guarita quase parando e sempre soltava uma piada com Pedro um dos guardas noturnos. Como era visitante e não tinha vaga, deixava Donabella em cima da grama do canteiro central do condomínio.

Subia sempre pelas escadas, não confiava em elevadores e o segundo andar não era tão alto assim. Acendia um cigarro para já chegar irritando Dona Cornélia, a mãe de Ana. Sem bater, abria a porta e entrava. Quase tudo como de costume naquela noite. A resposta de Dona Cornélia mudou quando ele perguntou onde estava Ana.

A senhora, com seus cinqüenta e tantos anos, sentada na poltrona vendo uma porcaria qualquer na TV, disse que a moça acabara de descer. Fora para o mirante do condomínio. Deixou a mochila com os livros da moça no sofá e foi ao encontro dela no mirante. Teve impressão de ter ouvido um murmúrio de Dona Cornélia enquanto fechava a porta, mas não quis perguntar nada. Estava ansioso para ver Ana.

Tinha tanta pressa que pegou o elevador para descer. Foi até o mirante praticamente saltitando. E ao chegar mais perto, apertou os olhos e entristeceu-se. Ana estava com um rapaz, de mãos dadas. Ele a chamou uma vez, timidamente. E uma seguna secamente, foi quando o rapaz percebeu e acenou para que Ana pudesse notá-lo.

- Eu trouxe seus livros. Deixei a mochila com sua mãe. Até mais.

Sem esperar uma resposta, virou-se e partiu amargurado.


Abraço. Boa leitura.

2 comentários:

Marcelo Mayer disse...

she's leaving home... bye bye

utopic disse...

Um conto excelente! Boa escrita, bom vocabulário e um fato corriqueiro apresentado sob uma ótica de um homem romântico e realista. =) Confesso que me surpreendi ;*