20 de dezembro de 2011

Adeus Ano Velho

Mais um ano chegando ao fim, mais um ano se preparando para começar. Hora de confraternizar com amigos, familiares e colegas de trabalho, hora de comprar presentes, hora de fazer promessas. "Esse ano foi ótimo, que o próximo seja excelente", é algo assim que a maioria das pessoas costuma dizer.

É engraçado como as pessoas esquecem dos problemas nesse período do ano, é como se o novo ano que está por vir fosse fazer os problemas sumirem em um passe de mágica. As esperanças normalmente se renovam, seja em antigos sonhos ou em novos objetivos.

A maior parte do tempo eu encaro a maioria dos clichês de fim de ano como idiotice aplicada, mas no fundo sei que é uma idiotice necessária. Passamos o ano inteiro preocupados com nosso trabalho, nossos afazeres, nossos problemas, não pode haver mal em jogar tudo pra cima na última semana do ano.

Então tudo pro ar. Vamos esquecer Antônio Palocci, Alfredo Nascimento, Nelson Jobim, Wagner Rossi, Pedro Novais, Orlando Silva e Carlos Lupi, os sete ministros que caíram no primeiro ano do (des)governo Dilma, seis deles envolvidos em corrupção. Vamos esquecer as ONGs milionárias, vamos esquecer a dinastia jurídica que o Supremo Tribunal Federal vem criando, vamos esquecer o papel de bobo da corte que o Congresso Nacional vem ocupando no (des)governo Dilma. Vamos esquecer tudo isso e fazer de conta que está tudo bem, porque é Natal e depois é Ano Novo, e tudo se realiza.

Só não podemos esquecer da máxima poética de Seu Madruga: "As pessoas boas devem amar seus inimigos".


Abraço. Boa leitura.

29 de novembro de 2011

'Patafísica, poloneses e escândalos...

Hoje andei lendo sobre a 'patafísica, que imediatamente transformou-se em minha ciência preferida, isso porque apenas por meio dela é que determinadas situações absurdas e assustadoras podem ser explicadas, principalmente com relação aos acontecimentos no nosso Brasil "ex-colônia".

Criada pelo dramaturgo francês Alfred Jarry, tem origem no grego e significa algo como "o que está acima (do que está além) da física", remetendo um pouco à metafísica ("depois da física"), e é a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções.

O Ubu Rei, personagem conhecido de Jarry, afirmou categoricamente que se não existisse a Polônia, não existiriam os poloneses. Isso é simplesmente brilhante! No Brasil podemos readaptar o cenário, podemos dizer que não houvessem políticos corruptos não haveriam escândalos. Mas esse é um sonho distante.

Todos os dias os jornais noticiam novos escândalos, em todas as esferas do poder público, de todas as agremiações partidárias, o rastro sujo se escorre por todo e qualquer espaço por onde possa passar pelo menos um centavo de dinheiro público. E a população pouco, ou nada, se preocupa. Estão muito mais interessados nas barganhas que pedirão ou receberão em pouco menos de um ano.

Aquele que é investido, pelo povo, para defender os interesses da sociedade, bem como seus auxiliares, diretos ou não, deveria no mínimo ter o dever de probidade, isso na teoria. A prática é completamente outra, e sem saber os nossos queridos políticos acabam aplicando a ciência criada por Alfred Jarry, criam leis para regular a exceção, criam leis para atender única e exclusivamente os próprios interesses.

"Se não existisse a Polônia, não existiriam os poloneses". Ah, se não existisse o Congresso, só pra começar...


Abraço. Boa leitura.

31 de outubro de 2011

Paz em Guerra

O homem já lutou incontáveis guerras desde o início dos tempos, e ainda lutará outras tantas até o fim dos tempos. A guerra está tão ligada à natureza humana quanto o desejo animal de reprodução – e talvez seja tão animal quanto, ou até mais. Se a guerra é essencialmente um mal, então o homem também o é.

E o que é mesmo a guerra? Sem muitas especialidades, é possível ser sintético e dizer que a guerra é quando homens matam homens. O assassinato é um ato de guerra, sem dúvida o mais característico de todos. Talvez por isso, e numa tentativa vã de cessar com as guerras, as religiões cristãs tenham posto através de seus profetas um mandamento específico: “Não matarás”.

A guerra não é um meio para outro fim se não para a própria guerra.

Poder, dinheiro, petróleo, territórios, entre outras coisas são usadas como pretextos para que os homens possam perpetuar a guerra. Os homens precisam de guerras, tanto quanto precisam de paz, só que precisam estar em guerra para estarem em paz. A paz sozinha não é o bastante para a natureza humana, a paz sozinha é inconcebível.

A história nos faz crer que ao fim de uma guerra todos os lados saem derrotados de alguma forma, mas enquanto a guerra está acontecendo alguém está vencendo, ainda que momentaneamente. É esse, talvez, o mais claro sinal de que o homem precisa da guerra, reconhecer que ao fim de uma guerra todos perdem.

Com todas as suas mazelas e riscos, a grande diferença – e talvez a única – entre a paz e a guerra, é que na paz homens não matam homens.

Mas homens continuam a morrer. Fome, doenças, acidentes ou o próprio tempo fazem na paz, o que o homem faz na guerra. A paz nada mais é que a guerra sem seu ato mais característico. E então me lembro de uma passagem em latim: “Si vis pacem, para bellum”. Se queres paz, prepara-te para guerra!


Abraço. Boa leitura.

22 de outubro de 2011

Mas. (Ponto final)

Eu não precisava escrever, mas. (Ponto final). O céu é azul, mas. (Ponto final). Os pássaros voam, mas. (Ponto final). Aquele batom vermelho era encantador, mas. (Ponto final). As pessoas sempre têm uma escolha, mas. (Ponto final). A noite estava calma, mas. (Ponto final). Um bom vinho sempre é uma boa companhia, mas. (Ponto final). Eu poderia continuar com isso, mas. (Ponto final).

Algum sentido no que eu escrevi antes? Possivelmente não. É engraçado? Talvez. O fato é que sempre que colocamos um "mas" após uma vírgula, uma pausa, esperamos não só uma continuidade, mas uma inversão de pensamentos, uma adversidade ao que foi dito antes. Não dá pra dizer: "Júlia gosto de você, mas. (Ponto final)". Continuemos então.

Resolvi escrever. Às vezes também é cinza. Não me trazem notícias suas. Eu não podia tocá-lo. Preferes ficar em cima do muro. Aquele abraço era cheio de tudo que não fosse calmo. Eu prefiro a sua companhia. Acho que as pessoas já podem entender o que eu quis dizer.

Preciso de algo mais para ir adiante.


Abraço. Boa leitura.

15 de outubro de 2011

Interesses

É na correria de uma cidade grande em que nós podemos perceber que, no mundo real, ninguém se importa com os outros. É verdade também que isso não é absoluto, mas basta conflitar o interesse do outro com o seu próprio e as pessoas estarão dispostas a mostrar quem realmente são por detrás da máscara de politicamente correto ou por detrás do escudo e espada de paladino da igualdade.

Num mundo ideal, se um mendigo na porta de um restaurante nos pedisse dinheiro pra comida e nós só tivéssemos o bastante para pagar a nossa comida compraríamos a comida pra viagem - porque certamente o restaurante não aceitaria que duas pessoas dividissem o mesmo prato - e comeríamos na rua dividindo com o mendigo. No mundo real nós olhamos para o lado e dizemos alguma palavra de negação ou simplesmente ignoramos.

Mas é sempre muito bonito falar no bem alheio. É sempre digno de aplausos quando alguém usa uma bela frase de fraternidade, justiça ou igualdade. É discurso recorrente atacar a hipocrisia, falar em ética, moral e dignidade. As pessoas só costumam esquecer que antes de satisfazer os interesses alheios, o que importa mesmo é satisfazer o nosso interesse pessoal e que a maior hipocrisia é satisfazer o interesse pessoal sob o argumento de satisfazer o interesse coletivo.

Seria muito mais fácil viver no mundo se um ato dessa natureza não existisse. As pessoas deveriam ser capazes de admitir que o próprios interesses vêm antes dos interesses alheios, mas ao invés disso vivem em uma espécie de peça teatral da vida moderna querendo pregar um faz de conta que todos sabemos que não existe.

Eu me importo primeiro comigo, é o meu interesse que eu coloco na frente, não tenho medo e nem vergonha de esconder isso. Se eu tiver que escolher entre o meu interesse e o de quem quer que seja, escolherei o meu, sem pestanejar. Se eu puder atender o meu interesse e, de brinde, o interesse coletivo será ótimo, mas não vou me colocar em segundo plano.

E para os quem acham que minhas palavras e meus atos são repletos de hipocrisia, não cito ninguém, não conto nenhuma história bonita de quando eu era criança e nem dou nenhuma satisfação. Eu tenho uma pergunta: eu admito que o meu interesse fica em primeiro plano, sou hipócrita por isso? Se defender o interesse próprio em nome do interesse coletivo é conceito de honestidade, ética e moralidade, eu prefiro que as pessoas continuem achando que eu não tenho nenhum pouco disso. (E o que as pessoas pensam, aliás, pouco me importa).


Abraço. Boa leitura.

3 de outubro de 2011

A Nova Guerra Social

Uma guerra começou no nosso país, uma guerra silenciosa e que pode ter consequências inimagináveis. Não começou agora, mas só agora enxergo claramente. E graças a um certo tipo de notícia que tem se repetido nas manchetes de jornal pelo Brasil inteiro.

De repente virou notícia de suma importância destacar a condição financeira de quem comete uma violação legal, agora é preciso taxar se o acusado é rico ou pobre, como se isso fosse agravante ou atenuante da situação.

O que se passa é que uma nova forma de instigação social, qual seja colocar pobres e ricos como inimigos, adversários ferrenhos, foi implantada pelo Partido dos Trabalhadores no último pleito, era o "Serra defensor dos ricos" e a "Dilma salvadora dos pobres". O fato é que a campanha passou, mas a rivalidade entre pobres e ricos só começou.

E começou de uma forma que gera ódio entre as pessoas. Me pergunto se isso é mesmo correto: odiar alguém pela sua condição social? Tenham dó, talvez os mais abastados tenham feito pouco caso da miséria alheia ao longo da nossa história, assim como os nossos miseráveis sempre se contentaram com esmolas históricas do governo da famosa "Emergência" das secas nordestinas ao globalizado mecanismo de cooptação eleitoral em que se transformou o Bolsa-Família.

Enquanto estudante de Direito me preocupo com a proporção que isso pode tomar na esfera legal, afinal fianças estratosféricas não eram comuns em nosso país até bem pouco tempo atrás. "É uma forma de deixar a justiça mais igual", alguém pode dizer. Entendi, tratar diferente para tornar igual.

Isso me lembra uma música de Engenheiros: "Todos iguais, tão desiguais, mas uns mais iguais que outros..."


Abraço. Boa leitura.

21 de setembro de 2011

"Pop in Rio"

Nesse fim de semana vai começar o Rock in Rio, um sonho de Roberto Medina que começou em 1985, naquele que talvez tenha sido o auge do rock 'n roll na América do Sul. AC/DC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Scorpions, Whitesnake e Queen, esta última considerada a atração principal do evento, estavam lá dando vida ao sonho dos amantes do rock na parte de baixo da América.

Quase trinta anos depois o mesmo Roberto Medina mostrou que, pra ele, o Rock in Rio não era um sonho, mas apenas mais uma oportunidade de ganhar uns trocados. Não o conheço, não conheço seus gostos, mas tenho certeza que ele não gosta de rock 'n roll. Eu gosto.

Em 1991 eu tinha só quatro anos, em 2001 ainda não tinha muito contato com o mundo da música em geral. Sobre as edições internacionais, minha opinião é obscena e impublicável. Mas em 2011 ver como atrações principais do evento Cláudia Leitte e Ivete Sangalo, entre outras, me deu embrulhos no estômago.

Eu respeito todos os estilos musicais (tá, não considero sertanejo música), mas cada macaco no seu galho. Ou será que alguém em sã consciência vai tentar me convencer que o axé baiano é parecio com rock 'n roll? Se for o caso, acho que próximo ano deveríamos abrir o carnaval de Salvador com um show do Sepultura e fechar com o Iron Maiden...

Repito, eu gosto de rock 'n roll. E tudo que espero das pessoas é respeito. Já não basta todas as piadas de péssimo gosto, os insultos sem razão e entre outros tantos preconceitos que nós, apreciadores da boa música, sofremos, querem agora transformar um evento que leva o rock no nome em um festival de aberrações.

Que mudem o nome do evento então, eu até tenho sugestão: "Pop in Rio". Mas esse nome não tem o mesmo apelo comercial não é Roberto Medina? E depois ainda chamam os outros de mal educados só por uma barba e um cabelo grande. Parafraseando Marcelo D2, é preciso manter o respeito.


Abraço. Boa leitura.

18 de setembro de 2011

Uma Nova História

Seria mais uma noite de sábado como outra qualquer, um bar com os amigos, uma conversa sobre qualquer assunto banal, afinal era dia pra descontrair. Tudo dentro da normalidade, ou era o que ele pensara ao acordar e sair para tomar um café na padaria da esquina, como de costume.

Caminhou até a padaria enquanto pensava em uma infinidade de coisas, tão rápido que não conseguia sequer saber no que pensava. Chegou lá, cumprimentou os funcionários e aguardou o café. Ficou observando a TV e os pensamentos foram sumindo, ele estava finalmente acordando.

Procurava alguma coisa, mas não sabia exatamente o que. Muito tempo já passara, mas parecia tão pouco. Entre tantos encontros e desencontros a história parecia não querer ir, e nem ele queria que ela fosse, mas ele sabia que tinha que seguir. O show tem que continuar.

Saiu da padaria e novamente infindáveis pensamentos começaram a passar na sua mente, dessa vez ele estava ciente de cada um. Foi quando esbarrou numa moça na porta do prédio. E que moça. Ele fez questão de juntar os papéis que ela carregava consigo e que ele derrubara com o choque. Por um instante ele teve a impressão de ter cruzado com olhar dela de uma forma diferente, mas deixou passar.

Conversaram um pouco no saguão, ela morava no prédio desde antes dele mudar-se, moravam no mesmo andar e ele nunca tinha prestado atenção nela. Por um instante pensou alguma coisa que não sabia exatamente se devia, a convidou pra sair. Ela hesitou, mas aceitou o convite, queria muito sair mas a falta de companhias vinha sendo um problema. Se despediram e acertaram de sair pra jantar.

Ele ligou para os amigos, avisou que chegaria um pouco atrasado no bar. Contou as horas e quando ia sair para passar no apartamento dela, a campanhia tocou. Era ela, ainda mais incrível do que pela manhã. Ela sorriu e ele a cumprimentou com um beijo tímido no rosto. Que perfume, que pele macia. Foram jantar.

Durante todo o jantar ele encarava quase que sob efeito de um feitiço os olhos dela. Ela percebeu por algumas vezes, mas deixou passar. Ele hesitou, mas a convidou para sair com ele pra uma bebedeira de sábado a noite. Ela queria ir, mas recusou o convite. Ele só aceitou a recusa após ficar certo um novo encontro. Ao se despedirem, foi a vez dela beijá-lo timidamente no rosto.

E ele foi sair com os amigos com muitos pensamentos fixos na cabeça, inclusive sobre a história que o incomodara naquela manhã. O tempo não volta, as lembranças ficam na memória e não importa o quanto queremos que elas se repitam, não vai acontecer de novo. As novas histórias trarão novas lembranças, mas nunca apagarão as demais. E ele queria lembranças dessa moça.


Abraço. Boa leitura.

15 de setembro de 2011

Decifra-me ou devoro-te

A mesa em que ela estava sentada ficava ao lado de uma vidraça. Quando ele desceu do carro - na hora marcada, como sempre - logo a viu através do vidro. Ela também o viu descendo do carro.

Enquanto ele entrava sorridente no restaurante e se dirigia à mesa ela mantinha-se na mesma posição. O cotovelo esquerdo na mesa, o queixo apoiado sobre o punho. A vista olhando através da vidraça para algum ponto indeterminado do outro lado da rua. Ela o tinha visto e ele percebera, mas ela não desviou o olhar do que quer que fosse que ela estava visando.

No seu rosto não havia indiferença, ela na verdade parecia estar ocupada com algo muito importante para poder falar com ele. Só depois que sentou-se à mesa os olhos dela viraram-se para ele.

Aqueles olhos....

Eles eram de um tom esquisito - no sentido original da palavra - de castanho, quase da cor de vinho tinto. Como se tivesse sido pintada por um artista que dispunha de poucas cores, seu cabelo era rigorosamente do mesmo tom, contrastando com a pele muito branca, quase pálida.

Quando ele sentou-se ela esboçou aquele seu sorriso característico, dado muito mais com os olhos do que com a boca; sem mostrar os dentes. Para comer ele pediu um assado, especialidade da casa, e uma cerveja irlandesa para acompanhar. Ela fez um comentário sobre a harmonização do prato com a bebida e a partir daí começou a conversa.

As conversas com ela eram sempre agradáveis. Como um maestro conduz uma orquestra, ela conduzia os assuntos, passava de uns para os outros sem que se percebesse a mudança. Comentários bem-humorados se alternavam com outros, de tom ácido, sempre no momento exato. Mas havia algo estranho em seu olhar....

Por mais profundamente que ela estivesse olhando nos olhos dele, e por mais concentrada que estivesse na conversa, seu olhar sempre parecia dizer que ela estava pensando em algo de mais importante, de mais misterioso.

Desde a época em que ela se mudou pra a rua dele e eles se conheceram, aquele olhar o maravilha e o assombra. De lá pra cá outras mudanças já fizeram com que eles se afastassem um pouco mais, no entanto, decifrar aquele olhar continuava sendo para ele uma obsessão.

Por esse lado, conversar com ela, estar com ela, era um tanto como lutar esgrima. Uma luta elegante, da qual ela era mestra. Num momento parecia abrir a guarda, e atraía um golpe apenas para revidar com um contragolpe fulminante. Touché!

De tanto sofrer com essas estocadas, ele já estava calejado, e às vezes tinha a impressão de que continuava a fazer aquilo apenas como uma espécie de esporte. Mas então ela dava mais um daqueles sorrisos, como só ela sabia fazer, e ele logo lembrava-se do motivo pelo qual lutava para decifrar aquele misterioso olhar.

Ambos acabaram de comer, ela recusou a sobremesa, disse que estava de dieta. Ele olhou o relógio, lembrou que tinha um compromisso. Um velho amigo estava na cidade e eles haviam combinado de jogarem uma partida de tênis.

Eles se levantaram - embainharam seus floretes - e foram saindo do restaurante, na calçada ela perguntou se poderia assistir a partida de tênis, afinal não tinha nada pra fazer mesmo.

Ele respondeu rápido que sim. Enquanto eles se dirigiam cada um para o seu carro trocaram um olhar rápido, quase acidental. Foi então que por um instante, tão rápido que ele não poderia nem mesmo dizer com certeza se tinha acontecido, ele teve a ligeira impressão de finalmente ter entendido tudo.

Seria possível?

Não.

Deve ser só coisa da sua cabeça....

8 de setembro de 2011

O Sommelier

Estava sentado na poltrona da sala quando a campanhia tocou, pensou em chamar a empregada, mas resolveu ir ele mesmo abrir a porta. No caminho entre o meio da sala e a porta acendeu um cigarro. Soprou a fumaça para, só então, abrir a porta e ter um surpresa. Era um entregador.

- Tenho uma entrega para o senhor Salazar - falou o entregador muito bem vestido.

- Sou eu mesmo - respondeu secamente, com um palpite estranho.

- Assine aqui por favor.

Ele assinou onde o homem indicou e recebeu o pacote. O entregador saiu sussurrando algo que ele não conseguiu ouvir direito. O que ele acabara de receber não era tão leve quanto parecia. E ele entendeu porque assim que abriu a embalagem de papel. Era uma caixa de madeira que ele reconheceria em qualquer lugar.

Era uma caixa feita de mucibo, um tipo de madeira quase extinto, vindo de Angola. E ele já sabia o que estava no interior sem precisar abrir. Era um Montrachet, um vinho antológico que ele vira alguns dias antes em uma casa de vinhos que visitara.

Não fazia ideia de quem podia ter lhe mandado tal presente, aliás, não era um presente comum. Não era todo dia que se presenteava alguém com um vinho daquela natureza. E ainda mais com aquela embalagem de mucibo que praticamente dobrara o já elevado valor da garrafa no interior.

Resolveu abrir a caixa em busca de um cartão ou algo parecido. Ao abrir o cigarro lhe caiu da boca, se não estivesse sentado teria ele mesmo ido ao chão. Era um outro vinho que estava no interior, um Romanée-Conti. Outro vinho não, outra garrafa, pois aquela não continha qualquer líquido, estava aberta e vazia.

Ele agora sabia quem tinha mandado o "presente". Era o sinal que ele precisava para abandonar os velhos sonhos e trocá-los por novos. Pensou em arremessar a garrafa contra a parede e partí-la em mil pedaços, não o fez. encontrou no canto da caixa de madeira a rolha, sentiu o aroma daquele vinho, então colocou novamente a rolha e fechou a garrafa vazia.

Levantou, foi até a estante e colocou lá, ao lado das comendas que já recebera como sommelier. Com um punhal que também estava na estante, talhou na madeira uma frase: "Aqui jaz um sonho sem dono".


Abraço. Boa leitura.

4 de setembro de 2011

Sem ela

Ele estava só. Como sempre.

O quarto estava escuro, a casa estava escura, suas únicas companhias eram Johnny Walker e Luciano Pavarotti, um escocês e um italiano que estavam sempre dispostos a lhe dar um apoio nos momentos difíceis.

"Una furtiva lagrima
Negli occh suoi spuntò...."

Um espelho refletia a sua imagem: gravata frouxa, camisa meio desabotoada, uma barba que pedia para ser feita a pelo menos dois dias e um olhar que falava a qualquer um que o conhecesse que ele estava pensando nela.

Olhou para a sua imagem na penumbra e pensou em como estava feio, e então em como ela era bela. Olhou para a lua pela janela, e pensou que em algum lugar ela poderia estar olhando para a mesma lua. Pensou então que isso é bobagem, as probabilidades são ínfimas, e mesmo que ela esteja, isso não significa absolutamente nada. Pensou então em como os pensamentos se sucedem rápidos na nossa cabeça e não nos damos conta. Então um agudo de Luciano o tirou de seus devaneios e lee não pensou em mais nada.

"Un solo instante il palpiti
Del suo bel cor sentir!..."

Fechou os olhos enquanto o italiano dizia tudo o que ele queria dizer, mas não sabia escolher as palavras.

As lágrimas escorreram enquanto ele se levantava e punha seu amigo escocês sobre o criado-mudo. Ergueu os olhos para o teto e inspirou profundamente, como se quisesse aprisionar em seu corpo o "gran finale" da música....

"Cielo, si può morir;
Di più non chiedo."

Desligou o aparelho de som e deitou-se com a mesma roupa que estava. Sabia que não dormiria, mas ainda assim deitou-se, o dia seguinte se aproximava. Mais um dia sem ela se encerrava, outro dia sem ela começava. E ela seguia tranquila sua vida, indiferente ao sofrimento dele.

3 de setembro de 2011

Sorrisos

Ela estava sentada na poltrona preferida dele, com uma xícara de café que ela aprendera com ele a tomar. Ele a observava de longe, enquanto mexia na vitrola da sala de estar. Parecia uma criança com um brinquedo novo, mas a sua alegria era por causa do sorriso dela sempre que ele colocava uma de suas músicas preferidas.

Era uma noite como tantas outras, e como sempre ele sentia-se muito feliz com ela por perto, não parava de pensar nela, ainda que ela estivesse ali a uma distância que na prática não existia. De repente ela levantou, foi até ele, lhe deu um abraço e um beijo no pescoço. Ele sorriu intensamente.

Um outro abraço, um beijo. E ele sempre encantado com o sorriso dela. Nunca conseguira entender o porque de tamanho encanto, mas isso pouco importava. Nada mais importava quando estavam juntos. Ela voltou pra poltrona.

Ele foi até a janela, ficou olhando o céu estrelado, mas sem lua. E mesmo com ela ali, do outro lado da sala, pelo simples fato de não estar a vendo, sentiu saudades. Foi então que, num estalo, percebeu porque mesmo estando com ela não parava de pensar nela: ele a amava intensa e imensamente.


Abraço. Boa leitura.

1 de setembro de 2011

Saudade Inexplicável

Eles jantavam em silêncio, trocavam olhares que diziam o que nenhuma palavra poderia expressar. O vento soprava na janela e os talheres tocavam os pratos com tamanha sutileza que não provocavam qualquer barulho.

Ele terminou antes dela. Observou-a sem prestar atenção na comida, mas em cada traço do rosto dela, para que num outro dia, quando ela estivesse distante, ele não tivesse nenhuma chance de esquecer o quanto ela era encantadora e pudesse ter sempre certeza de que ela teria cada detalhe encantador quando habitasse em seus sonhos.

Ela ficava bastante irritada com ele a encarando enquanto ela comia, parou por umas duas ou três vezes, até que começou a ignorar, ainda que de vez em quando olhasse pra ele e os olhares cruzados resultassem em uma sensação de encanto e temor para ambos.

Fazia muito tempo que ele não se encantava dessa forma por alguém, fazia muito tempo que ele, inclusive, deixara de acreditar que isso podia existir de verdade. E ainda tinha um pé atrás, mas não tinha dúvidas de que se o amor existisse de verdade, então ele a amava. Amava doce e profundamente.

Passaram o resto da noite trocando olhares, palavras e sorrisos, e isso foi tudo. Na manhã seguinte só restou aos dois uma saudade sem explicação.


Abraço. Boa leitura.

29 de agosto de 2011

Noite e Dia

Não suportava mais aquele lugar cheio de pessoas estranhas. Um velho balbuciando provérbios populares, uma moça fazendo apelos para jovens afegãos refugiados na Argélia, um rapaz falando sobre conjecturas econômicas que não tinham qualquer sentido e, o mais estranho, dois irmãos siameses defendendo a liberdade de expressão ilimitada.

Perdeu a paciência, juntou seus papéis e rapidamente guardou tudo em sua maleta. Era um dos mais estranhos congressos de pseudociência que já tivera participado, mas outra coisa ocupava seus pensamentos, outra pessoa, aliás.

Ele não conseguia sequer lembrar-se da última vez que aquela sensação estivera presente em seu dia. Mesmo acordado ainda continuava sonhando e ela lá estava, num daqueles sonhos em que o menos importante é acordar. E nisso tudo a única coisa que ele não conseguia era encontrar uma explicação razoável, embora isso não fizesse diferença.

Preferiu um ônibus ao invés de um táxi pra ir do congresso para sua casa. O percurso de pouco mais de uma hora pareceu uma eternidade se comparado à rapidez com que passou aquela noite, faria qualquer para que o tempo tivesse passado mais devagar, pra que o céu tardasse em clarear, as estrelas eram muito mais incríveis, mas não tanto quanto ela.

Chegou em casa e quando abriu porta deu de cara com sua bagunça, olhou rapidamente a foto colada no espelho e sorriu para si mesmo esperando que as coisas realmente melhorassem e sentindo uma saudade agradável.


Abraço. Boa leitura.

26 de agosto de 2011

Piada Sem Graça

"Sempre que a Polícia Federal descumprir a lei, obviamente nós tomaremos as medidas cabíveis e necessárias para punição daqueles que foram os infratores".

O Ministro da Justiça, o senhor José Eduardo Cardozo, é mesmo um brincalhão, fazendo uma afirmação tão categórica se referindo à Polícia Federal. Acho que finalmente sabemos quem vigia os vigilantes: é o Ministro da Justiça.

Ele deveria cobrar rigor para os colegas de governo que estão saqueando os cofres públicos, mas isso ele não faz. E a pergunta é: não faz porque? Por que o povo é burro, é quadrado. O nosso regime é uma espécie de totalitarismo civil.

No Congresso temos uma oposição moribunda depois do fiasco eleitoral nas últimas eleições - Lula conseguiu desbancar vários de seus ferrenhos opositores -, o Palácio do Planalto faz o que quer com o aval do Congresso, leia-se do PMDB, e o povo, burro e coitado, acha que tudo está maravalhoso.

É uma realidade deprimente. Uma solução, pouco racional e com chances praticamente nulas de funcionar, seria qualquer coisa parecida com a primavera árabe. Tenho andado de saco cheio com tanta pilantragem.


Abraço. Boa leitura.

12 de agosto de 2011

Indignação Oportuna

E mais uma vez eu venho aqui ser o paladino da discórdia, aquele que para alguns sempre faz questão de estar do lado oposto. O motivo é bem simples, ou nem tanto, isso depende, é óbvio, do ponto de vista, mas o fato é que uma juíza morreu, foi assassinada na frente de seu condomínio, possivelmente, por estar cumprindo seu dever.

E eu lhes pergunto: e daí? A toga faz dessa mulher alguém superior? Porque tanta indignação? Porque tanta repercussão?

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi a imprensa e declarou que "esse crime não vai ficar impune. Acredito que todos os criminosos serão identificados, julgados e condenados". Que me perdoem os puxa-sacos de plantão, mas um juiz não é melhor que qualquer outro cidadão e essa declaração do presidente do TJ-RJ é estúpida.

Vi diversas manifestações nas redes sociais de repúdio à execução da juíza, a grande maioria dessas manifestações de pessoas ligadas ao Direito. Acho que as pessoas deveriam se indignar com as mortes diárias do crime, com as pessoas comuns que são vítimas da bandidagem. Sentir-se indignado porque uma juíza morreu é puro oportunismo.

O fato é que ninguém, ou quase ninguém, cansa em levar uma vida politicamente correta. É muito mais conveniente e, no fim, agrada mais. Tenho certeza que boa parte das pessoas que frequentemene perdem tempo lendo o que escrevo esperava que eu fosse escrever um texto ácido criticando o crime.

Criticar o crime é fácil, principalmente quando a nossa sociedade dá mostras de que o crime compensa. Do mesmo modo é fácil demonstrar indignação com a morte de uma juíza que a maior parte das pessoas - tão indignadas - sequer conheciam, mas pelo fato de ser juíza...

Nosso povo é tão ridículo por vezes que é possível que ficassem todos indignados se algum maluco desse um tiro na cabeça do Sarney só por ele ser corrupto.


Abraço. Boa leitura.

3 de agosto de 2011

E a Isonomia?

"Se pode usar camiseta com foto de maconha, porque não pode com estampa da Scuderie Le Cocq?"

A pergunta é de um juiz de Direito que sonha com o fim da impunidade. Resolvi, então, falar sobre esse polêmico assunto, que não é descriminalização da maconha, mas o uso indiscriminado do princípio da isonomia. O fato é que o princípio constitucional da isonomia vem sendo usado de uma forma pouco isonômica.

A sociedade de uma forma ampla, embora cada grupo de acordo com sua conveniência, vem recorrendo à isonomia de forma descontrolada. O tráfico é crime, fazer apologia ao uso de maconha é, ainda que indiretamente, fazer apologia ao tráfico. E vai aparecer alguém dizendo que eu estou errado, que são dois pesos e duas medidas, que o usuário não tem nenhuma relação com o tráfico - tanto não tem, que se não houvessem usuários o tráfico sucumbiria.

Proibir as camisas da Le Cocq e permitir camisas fazendo apologia à maconha é no mínimo controverso. Isso, sim, é aplicar dois pesos e duas medidas, é mandar o princípio da isonomia que as minorias tanto propagam aos quatro cantos - e a sua bel conveniência - à merda.

O que eu antevejo, e espero que não aconteça, é nosso país caminhar rumo a um estado de segregação. E em várias escalas: racial, sexual, política, religiosa e de classes. Isso é um pesadelo, é perigoso, mas pode acontecer e se as pessoas não entenderem o que é a isonomia e que pra se falar em isonomia é preciso fazê-lo de forma ampla e irrestrita.

As pessoas têm liberdade de escolha, mas o texto constitucional diz, também, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais". Em sendo a isonomia um direito fundamental, quem atentar contra ela, ou pior, lesá-la deve ser devidamente punido.


Abraço. Boa leitura.

31 de julho de 2011

3x4

Eles jantavam em silêncio, trocavam olhares que diziam o que nenhuma palavra poderia expressar. O vento soprava na janela e os talheres tocavam os pratos com tamanha sutileza que não provocavam qualquer barulho. A lua parada na varanda refletia no espelho da sala de jantar.

Terminaram de jantar. Foram à sala, assistiram um daqueles filmes antigos que falavam de amor. Luiza adormeceu com o rosto sobre o ombro de Miguel. Ele a colocou nos braços e a levou ao quarto, colocando-a na cama e cobrindo-a com o cobertor. Fechou o apartamento e colocou a chave por baixo da porta.

Entrou no elevador já sentindo saudades. Não foi a despedida que ele esperava, afinal passariam um bom tempo longe agora. Luiza ia pra Grécia terminar o mestrado e ele ia voltar para o caos daquela cidade grande que tanto o irritava. Saiu do prédio caminhando para o bloco onde ficava o apartamento de sua família no condomínio.

Por um instante parou e ficou encarando o céu. Poucas estrelas, algumas nuvens e, pela hora, o amanhecer se aproximava. Com uma leve brisa, o frio percorreu seu corpo, começando dos pés e se espalhando pelo resto do corpo. Ele lembrou do sorriso dela, quase invisível com luz apagada e só o brilho da TV pra iluminar, o frio sumiu.

Deu mais alguns passos e, já na frente do seu prédio, sentou ao meio fio e ficou lamentando a saudade. Queria mais tempo, mais sorrisos e mais beijos com gosto de chocolate. Abriu a carteira e ficou olhando uma foto três por quatro que tinha dela por um longo tempo.

O dia foi amanhecendo, e ele percebeu uma coisa no céu. Quase que simetricamente metade do céu estava limpa e azul e a outra metade estava carregada de nuvens cinzas. Era quase como a confusão que passava com ele naquele momento.


Abraço. Boa leitura.


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"Diga a verdade
Ao menos uma vez na vida
Você se apaixonou
Pelos meus erros"
(3x4 - Engenheiros do Hawaii)

26 de julho de 2011

Estudando "de graça"

Volto, depois de tanto tempo de ausência no blog, para comentar uma notícia que tirou meu bom humor hoje pela manhã.

Um projeto de lei que tramita no Congresso pretende que estudantes formados em universidades públicas trabalhem de graça por seis meses como forma de retribuição à sociedade pela educação recebida. Sem esse período de trabalho, que não substituiria o estágio obrigatório, o estudante não poderia receber o seu diploma.

Enquanto ouvia essa parte, a sensação de indignação já começava a subir, mas ela atingiu o nível máximo quando, a reportagem começou a ouvir a opinião de "populares" nas ruas.

As (poucas) opiniões contra vinham de universitários que ficavam na superficialidade do assunto. Alegando que teriam a sua graduação atrasada, etc e tal.

As opiniões a favor eram de gente que dizia: "bom, se eles estudam de graça, devem retribuir à sociedade de alguma forma." e outro "eles passam tantos anos, estudando às custas do erário público (sic) devem dar um retorno."

Aí eu não aguentei. Desliguei a televisão e saí da sala. Como é possível!? Como é possível queo Estado tenha assumido de maneira tão desavergonhada esse papel de "pai e mãe do povo"? Como é possível que a estatolatria no Brasil tenha atingidos níveis tão absurdos?

Por que digo isso? Pelo simples fato de que eu NÃO estudo de graça! Porque o erário, que sustenta a minha educação, é na verdade o MEU dinheiro.

O povo perdeu totalmente a noção de que o Estado não produz riqueza. Que todas as benesses que o Leviatã nos dá não são liberalidades de um pai bondoso, mas sim obrigações de um servo obediente.

Esse trabalho obrigatório, seria mais uma forma de tributo, mais uma forma de o Estado botar a mão na riqueza obtida pelo suor do cidadão (nesse caso, botaria a mão no PRÓPRIO suor,o que é ainda mais nefasto), e ainda assim, o povo, bovinamente, aplaude o projeto!

Nós estamos chegando num estágio em que os brasileiros passarão a se orgulhar do cabresto que usam, e a exigir do Leviatã uma canga nas costas um pouco mais pesada do que a que já usa.

22 de julho de 2011

A Prostituição da Advocacia

Mais uma vez vou falar sobre um tema que só interessa aos mais ligados ao Direito, mas que deveria ser preocupação de todos: o Exame de Ordem. Essa semana um representante do MPF deu parecer favorável à ideia de que o exame é inconstitucional e isso tem provocado um rebuliço no mundo jurídico.

Antes de discorrer sobre o que penso, gostaria de deixar claro que o Exame de Ordem não é a forma mais adequada de corrigir os erros que são criados pela banalização do Ensino Superior com a criação em massa de novas faculdades que muitas vezes não preparam o aluno adequadamente, mas mesmo não sendo a mais adequada é a forma mais eficaz de manter incompententes longe da advocacia.

Sem entrar no cerne da questão, o que me preocupa, de fato, é que a inconstitucionalidade do Exame de ordem, e por conseqüência o seu fim, é um caminho perigoso. Imaginem vocês que, como num passe de mágica, um milhão de bacharéis em Direito ingressariam nos quadros da OAB em todo o país.

Não é só a OAB que corre perigo, mas a advocacia como um todo fica ameaçada, gravemente ameaçada. Não só economicamente, uma vez que o elevado número de advogados reduziria drasticamente os honorários advocatícios, mas a ameaça maior é ao próprio Direito, um advogado despreparado poderia acabar prejudicando um direito líquido e certo de alguém por simples incompetência téncica.

Numa comparação bem grosseira, o fim do exame seria como se todas as mulheres de uma cidade do dia pra noite virassem prostitutas, aquelas que não se submetessem a aceitar qualquer trocado, não conseguiriam sobreviver na profissão.

Eu penso que o fim do Exame de Ordem vai transformar em advogados um sem número de idiotas com canudos. E, nesse sentido, o STF, que tanto tem tomado decisões políticas, poderia fazê-lo mais uma vez para preservar não a OAB, mas o Direito, para preservar os resquícios de Justiça que possam existir em nossa sociedade.


Abraço. Boa leitura.

21 de julho de 2011

Velha Nova Página...

Miguel estava cansado. Trabalho, projetos, ideias e mais trabalho, era uma rotina que fazia ele manter seus pensamentos distantes de Luiza. Ou pelo menos durante a maior parte do tempo, afinal, quando era noite, sentado na sala com a caneca preferida dela cheia de café e ouvindo Chico Buarque, era impossível não lembrar daquele sorriso.

Os dias haviam virado semanas e, em breve, virariam meses. Ele sabia que ela tinha conseguido um bom emprego na Europa e em breve partiria, para voltar sabe-se lá quando. E ele pensou, e ponderou, mas não conseguia mover uma palhar sequer. Ele precisava de algo mais para correr, de algo que nunca tivera certeza se ela lhe ofereceria.

No mais íntimo de sua saudade, o que ele queria mesmo era que os sonhos de todas as noites se tornassem reais. Ele, ela, dois sorrisos e um conto de fadas. Suspirava pensando nisso e desanimava em seguida, a vida real era muito mais dura.

Levantou da poltrona e foi até a cozinha buscar mais café. Na volta o vento fez a janela da sala bater forte e ele teve um pequeno susto, derramando café no chão. Normalmente ele deixaria aquela mancha de café ali por dias, até que resolvesse chamar a diarista. Mas, por uma ironia qualquer, foi até a cozinha, molhou um pano e foi limpar a sujeira.

Quando limpava o chão ele viu o reflexo de alguma coisa sob a poltrona, esticou-se e não alcançou. Tirou a poltrona do lugar e encontrou um porta-retratos, era uma foto sua com Luiza. Uma foto boba, que eles tiraram no último dia do curso de fotografias que fizeram juntos, estavam tão felizes, tão sorridentes.

A lembrança boa lhe arrancou uma lágrima, não de tristeza. Sorriu e resolveu arrumar todo o apartamento.


Abraço. Boa leitura.



Quem quiser mais contos de Miguel e Luiza clique aqui.

11 de julho de 2011

Celebraremos!

Ver num dos jornais mais importantes do país que existe a posssibilidade de que um dos crimes do processo do Mensalão prescreva me faz sentir vergonha de ser brasileiro. É uma coisa que, pessoalmente, me faz acreditar cada vez menos naquela remota possibilidade de que as coisas podem mudar com naturalidade.

O processo em questão vem arrastando-se com vagareza na mais alta Corte do país desde que a Procuradoria da República teve sua denúncia recebida em 2007. É isso mesmo, há quatro anos um dos processos mais importantes da história do nosso país, aquele que poderia vir a ser o divisor de águas de uma nova era de moralidade, está prestes a prescrever parcialmente sem julgamento.

E eu arrisco a dizer que o Olimpo, digo o Supremo, vai manobrar para tal sem qualquer cerimônia. E, assim, o nosso tão desacreditado Judiciário vai ficando cada vez mais desacreditado. È lamentável, é deprimente e é preocupante, pelo menos para mim.

Ultimamente, tenho pensado muito uma tese de que apenas uma revolta popular nos moldes daquelas que viraram do avesso o mundo árabe poderia salvar nossa Nação. Só que aqui tem o Carnaval, as Festas Juninas, o Campeonato Brasileiro, uma infinidade de outros feriados, o Faustão aos domingos, e assim as pessoas vão elegendo outras prioridades, sempre têm algo mais importante com o que se preocupar.

Caberia aqui um trecho de uma música da Legião Urbana: "Vamos celebrar nossa justiça, a ganância e a difamação (...) Vamos celebrar nossa bandeira, nosso passado de absurdos gloriosos. Tudo que é gratuito e feio, tudo o que é normal".


Abraço. Boa leitura.

5 de julho de 2011

Desastre de Ordem

Pouco menos de 90% dos bacharéis em Direito que se submeteram ao Exame de Ordem foram reprovados. Algumas instituições de ensino superior conseguiram a façanha de não ter nenhum egresso aprovado. O que se observa do quadro é um caos generalizado tomando conta das faculdades de Direito, fruto principalmente da banalização do ensino superior em nosso país.

Eu arriscaria dizer que a maior parte daqueles poucos que lograram êxito no Examde Ordem o fez não por mérito da faculdade que frenqüentaram durante quatro ou cinco anos, conseguiram por mérito próprio. Conseguiram porque foram as cadeiras da universidade em busca não de levar adiante a tradição familiar ou para realizar o sonho pessoal dos pais, mas foram em busca de ascensão social.

É esse, no fundo, o propósito de quem estuda pra valer. Mas isso é ainda mais raro nas cadeiras das faculdades de Direito, por melhores e mais dedicados que possam ser os professores, é difícil ensinar a quem não quer aprender. É difícil quando a grande maioria dos acadêmicos de Direito encaram a faculdade como extensão do ensino médio, e não é assim.

É em face desse tipo de pensamento que esse resultado desastroso no último Exame de Ordem não é uma culpa que pode ser atribuída apenas à dificuldade do Exame, à inépcia da maioria das faculdades particulares ou as dificuldades de português de alguns estudantes, esses são apenas agravantes dessa situação obituária do estudo das ciências jurídicas num país onde não se discutem perspectivas nas universidades, onde a discussão é o tipo de questão que a Fundação Getúlio Vargas vai utilizar no próximo Exame.

Não pode ser esse o propósito das universidades. Devemos ir para lá discutir cidadania, debater ideias e, principalmente, defender a justiça que tanto vem sendo maltratada nas mais diversas instâncias de nosso país.


Abraço. Boa leitura.

Lembranças, Disfarces e Reviravoltas... - Minissérie #2

Como já era de se esperar, ela não atendeu. Não estava dormindo, mas queria saber até onde a inquietação do rapaz o levaria. Anita já sabia onde estava pisando, e não foi à toa que às 10h recebeu uma mensagem de Luiz, perguntando se poderia vê-la novamente. Ela respondeu que sim e completou dizendo que sempre almoçava num restaurante perto da praia e que ele reconheceria o lugar.

Fazia muito tempo que não fazia isso, mas Luiz queria impressioná-la. Depois de muito tempo sentiu necessidades de impressionar alguém. Pegou a velha motocicleta e saiu cortando as ruas da cidade até a praia, contava os segundos para a hora marcada. Quando foi se aproximando da praia, um flash veio em sua memória, ele lembrara exatamente de Anita quando estudaram juntos. Mas iria aguardar o momento ideal para revelar isso.

Luiz chegou ao restaurante na hora marcada e ficou esperando Anita por uns 30 minutos ainda. Lá vem ela. Encantadora como sempre, senta-se a frente do barman e ele sorri dizendo que ela ainda não perdera o hábito de chegar atrasada aos lugares. Ela desconversa.

Ele não conseguia comer, deu umas duas garfadas apenas na comida, fitava descaradamente os olhos verdes de Anita. Ao terminarem ele a chamou para ir caminhar na praia. Ela relutou um pouco, confirmando o que ele já tinha certeza, mas acabou aceitando o convite.

Anita tentou aguardar o momento certo para aquela pergunta, mas percebeu que dependendo de Luiz o momento certo nunca chegaria, foi quando ela resolveu cortar o assunto pela metade e perguntar ao rapaz o que levou um homem que carrega uma aliança dourada na mão esquerda sair ao encontro de uma antiga colega de classe, que, sabiam os dois, não era qualquer colega.

- Foi difícil reconhecê-la. Eu achei que a parte da amiga de colegial era apenas um pretexto para flertar, mas que de certa forma me atraiu. Só quando vinha para a praia foi que me dei conta. Eu agora sei como foi que a achei familiar, Diana. Foi pelo seu sorriso, ainda é inconfundível. Mesmo com o cabelo pintado e as lentes de contato que nunca lhe foram peculiares. Mas e você porque me procurou depois de tanto tempo? Mudou de ideia ou quer apenas mais uma? – falou secamente demonstrando irritação pelo teatro que a moça tinha feito.

- Você sabe que eu não mudo de idéia, mas se eu tivesse mudado o que aconteceria? Afinal, você resolveu mesmo casar! Finalmente encontrou alguém que aceitasse viver a mesma coisa até a morte – falou em tom de deboche, o que irritou mais ainda o rapaz. – Talvez eu tenha ficado com saudade de alguma coisa em particular.

- Se foi apenas saudade o que você sentiu, acho que ambos perdemos tempo vindo aqui. É melhor irmos embora – falou o rapaz sinalizando dar as costas, mas rapidamente sendo interrompido por Diana agarrando sua mão. – O que mais te trouxe aqui Diana?

Ainda continua...

2 de julho de 2011

"Final Feliz"

Ele se viu olhando nos olhos dela, a encarava e fazia todo o barulho ao redor sumir. A música alta, as conversas nas mesas ao lado, os gritos do gerente com os garçons, tudo era suprimido pelo olhar dela, que parecia dizer mais que qualquer outra coisa. Ou pelo menos era o que ele pensava, até ela falar.

- O que você tem em mente? - perguntou sem fazer ideia do que ele realmente tinha em mente.

Em tanto tempo, essa talvez fosse a oportunidade mais clara de dizer tudo o que ele sempre quisera, mas estivera impedido por todas aquelas coisas que ele costumava chamar de princípios. Estavam lá, apenas os dois. Mas ele hesitou. Não daria aquela resposta.

- Não é nada importante. Você nem acreditaria se eu lhe dissesse - falou tentando parecer soberbo.

Jantaram, conversaram e foram embora. Ele a levou em casa, sentaram em um banco nos jardins da alameda em que ela morava e conversaram mais. Vez por outra ela insistia em tentar voltar ao assunto e ele desconversava. Ele sabia que nunca teria coragem de dizer a verdade.

Já tarde da noite ele a acompanhou até a entrada de sua casa. Se despediram e quando ele deu as costas, ela o puxou pelo casaco e o beijou. Uma, duas, três, quatro vezes.

- Agora você pode ir.

E ele fez exatamente o que ela disse. Rindo por dentro, feliz e ao mesmo tempo desconcertado. Entrou no carro e saiu dirigindo para casa.


Abraço. Boa leitura.


Nota: pra quem andava reclamando da falta de finais felizes por aqui, espero que esse agrade. ;D

1 de julho de 2011

Vanessa

Passava da meia-noite, Samuel estava irritado, embora não conseguisse tirar os olhos de Vanessa. Nunca tinha feito isso de forma tão clara, os olhos dela eram como um feitiço, um encanto.

Ele a queria do lado, a queria perto. Aquela ligação havia despertado aquilo que ele antes tentara esconder. Ele tinha se encantado por aquele sorriso doce, um sorriso encantandor, um sorriso que não merecia ficar escondido.

E mesmo depois de estar por perto ele queria mais. Queria aquela pele macia, aquele perfume atraente, mas mais que tudo aquele sorriso e aquele olhar que o tiravam do sério.

Mas ele precisava cessar, não podia saltar em mais um abismo...

E agora o que será que aconteceria?

30 de junho de 2011

Pérola

Mais um dia de trabalho chegava ao fim, não suportava mais a rotina. Casa, trabalho, casa. Precisava de diversão, de ausência de responsabilidades e sabia que nunca mais teria isso como nos tempos em que fora jovem. Jogou-se na cama e encarava o teto, foi quando o telefone tocou.

Espantou-se imediatamente, era uma mensagem de texto de Pérola. Abriu, mas para seu lamento estava corrompida mensagem, algo havia dado errado no envio. Ele telefonou para ela, o celular estava desligado. Ficou intrigado, não esperava que ela lhe mandasse uma mensagem.

Tentou mais algumas vezes telefoná-la, em vão. Voltou para a cama e ficou mais uma vez encarando o teto. Agora ela ocupava sua mente, mas muito mais que qualquer traço que ela carregasse ele afundava seus pensamentos naquele sorriso que ela carregava, doce, tão doce. Da janela veio um vento, um tanto quanto frio.

E ele já quase dormia quando o celular toca novamente. Dessa vez uma mensagem da operadora, avisando que ela tinha ligado o celular. Ele ligou, imediatamente. Ela atendeu já dizendo que seu celular havia descarregado e perguntando da mensagem. Ele pode sentir um certo alívio do outro lado da linha quando disse que a mensagem havia chegado corrompida, ilegível.

Ele então perguntou o que estava na mensagem e ela disse que não era nada importante, em seguida disse que precisava desligar, já era tarde e ela trabalharia amanhã cedo. Ele desligou com uma curiosidade infindável. Do outro lado, ela sorriu pois a mensagem dizia justamente que ela queria apenas ouvir a voz dele.


Abraço. Boa leitura.

27 de junho de 2011

Lembranças, Disfarces e Reviravoltas... - Minissérie #1

Luiz caminhava lentamente até a boate onde trabalhava como barman, até que começou a sentir pingos de chuva que o fizeram apressar o passo. Chegou à boate, um pouco molhado, e foi até o vestiário trocar de roupa, pouco antes de entrar lá viu de relance uma bela ruiva encostando-se ao balcão. Ela lhe parecia familiar, mas ele não lembrara imediatamente.

Entrou no vestiário com a imagem da ruiva na cabeça e torcendo para que tivesse a oportunidade de atendê-la. Vestiu-se rapidamente e correu até o balcão. A moça, indecisa, ainda não havia escolhido o que beber e foi aí que Luiz viu a oportunidade, sugerindo a ela o drink da casa. Ela sorriu, encarou o barman e disse que "podia ser", mas, antes que ele saísse, ela completou com uma frase que o deixou mais intrigado:

- Conheço você!

Ele sorriu ao ter a confirmação da impressão que tivera, mas de imediato viu dois problemas: não sabia de onde e nem sabia o nome dela. Foi então que mais uma vez a moça foi incisiva, quase como se estivesse lendo a mente dele:

- Anita, nós estudamos juntos no colegial. Você se chama Luiz não é?

- É me chamo Luiz, tinha tido impressão de conhecê-la. Só não me lembrava de onde. Mas como você me reconheceu? Eu mudei muito desde os tempos de moleque.

- Eu não te reconheci de agora, tenho vindo muito aqui ultimamente. Foi numa dessas noites que tive a certeza!

- Mas isso ainda não responde a parte do “como você me reconheceu”, como teve “a certeza”? – falou soltando um riso malicioso.

- Existem pessoas que a gente vai reconhecer pelo resto da vida.

Ele se virou para atender outra pessoa, quase que ignorando o que a bela moça acabara de dizer. Ela já ia lhe dizer umas boas verdades quando viu passando pelo balcão o gerente da boate. Enquanto fazia o drink, olhou para ela e mexeu os lábios torcendo que ela fosse boa em leitura labial. Ela entendeu, com sorte é verdade, o que ele dissera:

- Começo a achar que você está flertando descaradamente comigo.

Aproveitando o momento, Anita abaixou a cabeça, abriu a bolsa, tirou a quantia certa para pagar o drink e já ia se retirando quando sacou da bolsa uma caneta que usou para escrever em uma das cédulas o seu telefone.

Ele pegou o dinheiro e guardou no bolso, enquanto acenou para o colega no caixa, passando a mensagem que a bebida da moça era por conta dele. Depois que a moça partiu foi como se cada minuto durasse uma hora e ele não via a hora de ligar para ela, estava realmente intrigado. Passava um pouco das cinco da manhã quando ele foi liberado, imediatamente ligou para a moça.

***

To be continued...

Nota dos Autores: o texto é uma parceria - do tipo "cada um escreve um pedaço" - entre Fernanda e eu (Fahad). E a continuação é por conta dela postar, já está escrita, ou quase, só falta ela escrever o fim, portanto, se faltar o fim não é culpa minha (risos).

24 de junho de 2011

Nada Justifica!

Eu aprendi quando ainda nem entendia direito qualquer coisa que não se pode justificar um erro através de outro erro. Em um momento ou outro acho que deslizei e tentei fazer isso. Mas venho tentando mudar, pouco a pouco. Diferentemente dos "companheiros" do Partido dos Trabalhadores e da base governista, de uma forma geral.

Acontece que se você abre um jornal ou uma página na internet e encontra uma manchete parecida com essa:

"Prefeito do PT acusado de corrupção foge de ônibus"

E de repente faz uma crítica ao Partido dos Trabalhadores, definitivamente uma agremiação política exemplo de ética e respeito ao erário, logo aparece uma enxurrada de "companheiros" dizendo que Fulano de tal partido fez isso, que Beltrano com ligações com aquele outro partido também fez isso.

Numa ação ridícula querem, em outras palavras, dizer que o fato de Partido A ou Partido B terem, em outros tempos, tido seus nomes envolvidos em escândalos serve como "licença" para o PT e sua trupe estirparem os cofres públicos. Usam supostos "crimes" cometidos por outros como carta branca para cometerem os seus.

Está na hora de parar de querer fazer a sociedade de estúpida - tudo bem que vez por outra a sociedade é mesmo estúpida - ou então eu vou começar a achar que o que acontece de fato é que no fim os caciques do PT usam dos pobres militantes para defendê-los e os pobres militantes agem como pessoas anencéfalas ou então vendados por um sectarismo mais fervoroso que o fanatismo religioso do Islã.

Eu aposto que ainda vai aparecer alguém dizendo: "E o caso de Arruda?", e esses eu respondo que só os ignorantes são convictos que um erro pode justificar outro erro.


Abraço. Boa leitura.

23 de junho de 2011

Encontros e Despedidas

Desligou o telefone depois de algumas horas de conversa. Sempre havia uma novidade, sempre havia uma coisa nova para conversar. Quer fosse sobre um dos novos bolsistas dela que despontava como um prodígio nas práticas experimentais no laboratório, quer fosse sobre a professora de tango argentino dele.

Guilherme e Marina se conheciam desde a juventude, vizinhos de mesma rua no subúrbio de Ouro Preto, estudaram na mesma escola, pegavam os mesmos ônibus e se separaram quando ela, um ano mais velha, mudou-se para Belo Horizente, foi fazer faculdade de Farmácia. Dali em diante eram raros os encontros, mas sempre longos os também raros telefonemas.

E ele sempre tentando esconder o interesse que tinha desde os tempos de criança. Tinha um carinho por ela maior que todo o estado de Minas, mas não tinha coragem de tentar descobrir se era algo mais ou, sequer, de saber o que ela pensava disso. Por vezes isso o machucara, principalmente quando ela vinha falar de alguém em quem estava interessada.

E mesmo depois de tanto tempo, cada um sozinho do seu lado. Ele nunca teve coragem de tocar no assunto. É um caso que esse contador de estórias jamais seria capaz de imaginar e que me faz imaginar o que aconteceria se ela soubesse que todos os reencontros faziam com que o coração dele batesse mais forte e toda despedida fazia o coração dele apertar...


Abraço. Boa leitura.

22 de junho de 2011

Pôr-do-Sol

E o sol ia se pondo...

Toda vez que parava olhando as fotografias velhas do tempo em que podia rir bem alto tarde da noite enquanto tomava um vinho barato e ouvia Caetano Veloso com uma de suas namoradinhas de motel, ele acabava bebendo sem parar tendo lembranças fúnebres de sua juventude.

Era, hoje, um homem bem sucedido. Um apartamento no Leblon, um carro de luxo e um saldo bancário de fazer inveja a qualquer outro companheiro de trabalho. A sutil diferença é que Lucas estava solitário, uma solidão que já durava mais de vinte anos.

Nunca lhe faltaram trepadas, sempre tinha uma outra querendo sair com ele nas noitadas da vida. Mas ele não tinha uma que pudesse lembrar quando fosse reencontrar os amigos de infância, casados e com filhos. E ele tinha um filho, de quem não tinha notícias tinha mais de três anos.

Miguel, seu filho, havia deixado a casa do pai ao completar dezoito anos. Não carregou consigo sequer uma camiseta que tivesse sido paga com dinheiro de Lucas. Foi ao banco e recebeu a herança que recebera de seus avós quando sua mãe ainda era viva. Nunca engoliu o pai, mas este nunca aceitou que o filho fosse parar num lar para abandonados.

Foi à adega, pegou uma garrafa de Vino Nobile di Montepulciano, era impossível identificar a safra, tinha pelo menos uns dez anos de adega. Abriu sem cerimônias, como se fosse um daqueles vinhos baratos de trinta anos atrás. Pegou o telefone e ligou para Sofia, uma prostituta que ele adotara como particular e a quem "doava" quase metade do seu salário.

Ela veio atender seu único cliente, já tinha uma chave do apartamento e era conhecida do porteiro. Ao chegar deparou-se - numa cena quase invariável - com as velhas fotos dispersas por todo o chão do apartamento e Lucas completamente bêbado ao lado de duas garrafas de vinho vazias. Percebeu também o que parecia ser vestígio de cocaína sobre a mesa.

- Tire sua roupa mulher, arrume esta bagunça e depois terei com você - resmungou Lucas como se não tivesse bebido qualquer coisa alcoólica.

Ela o atendeu, sem questionar. E depois partiu, sem se despedir. Ele olhou pela janela, o Sol nascia e ele lembrou de uma velha música de sua juventude: "O Sol nasce pra todos só não sabe quem não quer..."


Abraço. Boa leitura.

21 de junho de 2011

"Quantas vezes a gente sobrevive à hora da verdade?"

Hoje me deparei com vários textos por essa internet, alguns por indicação, outros por casualidade, mas o interessante foi que, apesar dos assuntos tratados serem completamente diferentes, ao final cheguei à conclusão de que todos tomavam por base a mesma coisa: o medo da rejeição.
Um dos textos critica de forma muito bem humorada a sociedade playboysística de Natal. Já um outro, no geral, faz uma análise sobre a “covardia amorosa” masculina. Este último, intitulado “Carta (escancarada) ao homem frouxo”, de Xico Sá, me chamou a atenção para um trecho, quase no finalzinho, que diz o seguinte:

"Rapazes, o amor acaba, o amor acaba em qualquer esquina, de qualquer estação, depois do teatro, a qualquer momento, como dizia Paulo Mendes Campos, mas ter medo de enfrentá-lo é ir desta para a outra mascando o jiló do desprazer e da falta de apetite na vida. "

Como não sou muito diferente de muitas pessoas por aí, postei tal trecho na internet e logo (digo, logo meeesmo), algumas pessoas se manifestaram, adorando e concordando com o que foi dito. Eu também concordo com Xico Sá, em gênero, número e grau, mas não vou mentir dizendo que o jiló não tem sido meu mais fiel acompanhante. As pessoas ultimamente têm tido muito medo de amar e ficam dando a desculpa de que estão muito ocupadas no momento. “Ah, esse ano não, tenho vestibular!”, “agora não, a minha monografia está me matando” ou até mesmo “não dá pra pensar nisso agora, tenho coisa mais importantes pra fazer”. Agora me respondam, estão todos ocupados mesmo, ou estão com medo de amar? Ou melhor, estão com medo de amar, ou de não serem amados? Os homens têm medo do relacionamento sério ou de não serem correspondidos? As mulheres buscam a independência acima de tudo ou, no fundo, tudo o que elas querem é ter alguém de quem depender (e eu não estou falando da parte material)?

Acho mesmo que o grande medo que atormenta a cabeça de todos nós hoje é o medo da rejeição, e é por isso que quando cada um fica no seu quadrado, parecendo forte, se vive mais fácil, porque assim não dá pra quebrar a cara, ou pelo menos não dá pra ninguém ver que quebramos a cara. Esse medo de rejeição fica claro até nas coisas mais superficiais, como foi mostrado no texto sobre a sociedade natalense, a sociedade das aparências. Não que elas não se vistam ou ajam da forma citada no texto sem se sentirem confortáveis com aquilo, até porque se acostumam. É fácil se acostumar com algo quando não se entra em contato com o diferente, principalmente quando se tem medo dele, porque o caminho mais fácil sempre será aquele em que nos deixamos ser iguais aos outros.

19 de junho de 2011

Maldita Rotina!

Ainda que saiba que não vai ficar bom, que não vai me agradar, que não vai me bastar, eu vou escrever. E vou escrever porque isso é a única coisa que eu posso fazer agora. E quem espera um final feliz, nem leia...

***

Meia-noite. Ele deixava o aeroporto muito cansado, apesar de ter sido um voo breve de pouco menos de duas horas. Por sorte não teria que dirigir na viagem que se seguiria em algumas horas. Chegou em seu apartamento e, como de costume, apesar de muito cansado, não tinh1a nenhum sono. Resolveu não dormir até a hora de viajar.

Cinco e cinqüenta da manhã. O motorista da universidade onde ele iria palestrar mais tarde o chamava pelo interfone, dez minutos antes da hora marcada. Ele desceu apressado enquanto vestia a camisa. Deixou o cabelo um pouco espetado, sentou no banco de trás e dormiu.

Oito e quarenta da manhã. Ele descobre que a palestra fora suspensa minutos antes de chegar na universidade. Um curto-circuito danificara o equipamento de som e não havia previsão de quando estaria tudo consertado. Ele resolveu visitar alguns conhecidos que tinha por lá.

Meio-dia e vinte. Um almoço melancólico sentado sozinho numa mesa, era o único solitário de todos que estavam no restaurante, comeu rapidamente e saiu. Foi até a esquina, tinha uma banca de revistas, comprou um cigarro, fazia 20 anos que não fumava. Acendeu, e nem sabia mais tragar.

Duas da tarde. Recebeu uma ligação do motorista da universidade, todo o evento fora adiado. Ele seria levado de volta. Aguardou enquanto o motorista chegava aonde ele estava. Comprou uma água mineral, entrou no carro e partiu.

Cinco e quarenta da tarde. Chegava em sua cidade, não daria tempo sequer passar no apartamento, disse ao motorista que fosse direto para o aeroporto. A correria nos últimos dias era grande. Chegou lá na última chamada para o voo.

Sete e vinte e cinco da noite. Chegava um pouco atrasado para a aula, os alunos já o esperavam. Tomou um café na cantina antes de ir para a sala de aula. Começou a aula e não demorou para perceber que os alunos estavam inquietos. Era algo sobre uma manifestação que acontecia contra o reitor.

Dez da noite. Resolveu dormir num dos apartamentos que a universidade tinha à disposição num hotel da cidade. Estava muito cansado.

***

Seis da tarde do dia seguinte. Ele lembrou que esquecera do aniversário dela. Pensou em ligar, mas achou melhor não. Ficou remoendo. Mas deixou passar.

***

Três dias depois do aniversário. Ele estava na frente do computador, usando seus meios de comunicação quase que pré-históricos àquele tempo, quando subiu uma janela indicando que ela estava online. Ele, antes de qualquer coisa, desculpou-se sem dizer porque, mas sabendo que ela entenderia. Desculpas negadas.

Ele tentou amenizar, falou da correria, do cansaço. E ela retrucou: "Se fosse com você, você ia achar que isso justifica? Seja sincero". Ele não tinha o que dizer. Não conseguia nem falar das imensas saudades que sentia.

Ela era importante, de verdade, mas como dizer isso agora?


Abraço. Boa leitura.

14 de junho de 2011

Quem Vigia os Vigilantes?

Quando todos as deliberações são exauridas, todas as possibilidades de defender uma tese se encerram, quando não existe mais uma instância superior, a quem nós podemos recorrer? O poeta romano Juvenal, pergunta: "Quis custodiet ipsos custodes?" E o os senhores o que me dizem, quem vigia os vigilantes?

A primeira vez que li essa frase, em meados de 2007, foi num quadrinho - diga-se de passagem fantástico e altamente recomendável: Watchmen, de Alan Moore - e não li a sua versão em latim, mas em bom português mesmo, e depois fiquei curioso e tentei no Google, pra ver quem era o autor, foi quando descobri o original em latim. Mais deixemos de lado essa parte...

Ao que interessa, e desperta curiosidade, desde a primeira vez que vi essa frase até começar a escrever esse texto, por incontáveis vezes tenho me feito essa pergunta e de uma forma tão aleatória que por vezes sequer tento encontrar uma resposta. Mas noutro dia, numa dessas mesas de bar da vida, eu respondi sem me dar conta.

Transcrevo, preservando o nome dos presentes:

"- A decisão do STF [sobre Battisti] foi ridícula! - esbravejei.

- Mas, meu amigo, se não podemos acreditar no STF, em quem devemos acreditar?

- Eu acredito ali [falei apontado na direção da universidade], acredito nas cadeiras das universidades."


De imediato alguém me chamou atenção para o que eu acabara de dizer, e eu repeti o que acredito plenamente e mantenho. Mas isso não responde a pergunta inicial, não é mesmo?

Errado!

Responde, sim, e muito bem, diga-se de passagem. É o debate suscitado nas universidades de qualquer natureza, e não só as de Direito. É a renovação promovida pelo novo. É o idealismo latente nos jovens. Mas é aí, justamente no idealismo que nossa juventude é pobre, o sonho da maioria é um carro importado, um apartamento de luxo e uma conta bancária gorda.

Os vigilantes, sejam eles quem forem, só são fortes porque assim os tornamos, porque nós os colocamos num lugar superior e se preciso for os faremos descer e aprender de novo. É uma pena que a maioria dos jovens sejam babacas - inclusive eu por perder meu tempo escrevendo asneiras.

"Enquanto isso nas enfermarias todos os doentes estão cantando sucessos populares..."


Abraço. Boa leitura.

13 de junho de 2011

Num Desses Encontros Casuais

Fitava alternadamente a taça de vinho e o salão, conhecia de si tão pouco naquele momento que não era capaz de diferenciar se estava sonhando ou acordado. Em um rápido olhar sob o salão algo prendera sua atenção, lá estava aquela mulher que ele pouco conhecia, mas com um sorriso deveras atraente, e que sorriso.

E ela veio em sua direção, sentou-se ao seu lado e começaram a conversar como se fizesse mais de meio século que se conhecessem. E a conversa se estendeu por horas e horas, sorriram e choraram, discutiram em um momento e ali mesmo fizeram as pazes.

Chegava a hora do restaurante fechar as portas, pagaram as contas. Cada um pagou a sua. Mas saíram juntos - e por juntos leia-se "lado a lado" -, e caminharam assim até o estacionamento. Lá conversaram um pouco e decidiram tomar café-da-manhã juntos. Cada insistindo para que o outro fosse em seu carro.

Saíram em carros separados. Por um instante era como se um seguisse o outro. Ela tentou ligar para ele mas o telefone estava ocupado, e ele tentou ligar para ela, mas o telefone também estava ocupado. Pararam para o café-da-manhã numa padaria perto da igreja. Desceram e perguntaram simultaneamente: "Com quem você estava falando?"

Após isso olharam feio um pro outro, não acreditavam no que ouviam. Discutiram, e dessa vez sem pazes. A fome passou. Entraram em seus carros e partiram. Sem um beijo sequer.

***

Ele acordou já quase de noite, com muita sede. Foi beber um copo de água na cozinha. Não sabia se tinha sido apenas um sonho, ou se tudo havia acontecido. Foi para a faculdade, e lá cruzou com aquela mulher, ela parecia não reconhecê-lo, e ele fingiu nunca tê-la visto antes.

***

Ela acordou pouco antes do almoço, foi à cozinha e fez a própria comida. Comeu, ainda com aquele cara indigesto na lembrança. À noite foi à uma entrevista de trabalho numa universidade, e por lá cruzou com aquele cara. Ele a olhou estranho e ela pensou: "Cafajeste!"

8 de junho de 2011

Sorrisos (não sou um herói)

O caminho de volta foi bem mais lento do que o de ida. Seus sentimentos refletiam-se no seu corpo. Sentia um peso no peito que o impedia de respirar bem, um nó na garganta e o estômago retorcendo-se.

Parou o carro numa esquina e encostou a cabeça no volante, os olhos fechados, dezenas de perguntas cujas respostas ele já sabia passavam pela sua cabeça. Por que ele não disse o que precisava ser dito antes? Ele já sabia a resposta: sabia qual seria a resposta dela. Um choro, um pedido de desculpas e tudo nunca mais seria como era antes. "Melhor deixar como está."

Covarde! Poderia ter arriscado! Não, não poderia. Há certos riscos que não valem a pena ser corridos. Perder a companhia dela era um risco alto demais....

Mas agora tudo estava perdido. Não havia mais nada a fazer. Por que não disse o que precisava ter dito? Pelo menos retiraria da garganta aquele nó que não o deixava respirar direito.

Não. Agora ela estava feliz e era isso que importava. Ele não tinha direito de interferir dessa forma. "Não é covardia. É abnegação", mentia ele para si mesmo.

"Eu sou apenas um homem, não sou um herói." Ele gostou dessas últimas palavras. Tirou a cabeça do volante e percebeu que a esquina em que tinha parado era a de uma padaria. O dia já amanhecia, a padaria estava abrindo e ele estava com fome.

Entrou e pediu um café. A bebida quente passando pela garganta deu uma sensação boa e aliviou o peso que sentia no peito. "Eu não sou um herói."Repetiu em voz baixa. "Não esperem grandes atos de mim." Sorriu, mas se alguém estivesse vendo seus olhos notaria-os baixos e sem brilho.

Só o que precisava agora de tempo, muito tempo, e mais uma xícara de café.

22 de maio de 2011

De Cara-Pintada a Cara-de-Pau

Primeiro pensei em falar sobre a Amanda Gurgel, depois o Palocci. Mas resolvi falar do movimento estudantil, poucos sabem o que isso significa, até mesmo a Wikipédia diz muito pouco sobre o movimento estudantil. E eu, também, não sou nenhum especialista, mas sou atrevido.

Eu aprendi nas aulas de História e Geografia que o movimento estudantil era sinônimo de credibilidade e respeito, tudo alcançado com sangue, suor e lágrimas. Me lembro de um livro de História que trazia uma foto do hoje senador Lindberg Farias, então presidente da UNE, com a cara pintada em verde e amarelo. Hoje o senador tem outra cara(-de-pau, quem sabe?).

O movimento estudantil hoje virou briga de partidos políticos por siglas estudantis como a UNE, UBES, USES, entre tantas outras. O motivo é simples: a intenção de usar o prestígio de tais siglas como trampolim político. O interesse dos estudantes passa longe, a renovação então, nem se fala.

A entrada de partidos políticos no comando de entidades envolvidas com o movimento estudantil criou uma nova classe de estudantes: os estudantes profissionais. Um bando de vagabundos que, sem ter perspectiva de crescimento, mantêm a todo custo seus vínculos escolares ou acadêmicos para permanecerem no comando de órgãos estudantis.

O retrato do movimento estudantil é a pobreza de ideias e propostas, o que está em disputa é simplesmente o poder pelo poder. É praticamente uma versão estudantil de nosso processo eleitoral. E eu lembro de ter ouvido que o Brasil era o país do futuro, por causa de sua juventude. Mas só se for outra geração, porque a minha, senhoras e senhores, está perdida.


Abraço. Boa leitura.

18 de maio de 2011

Sorrisos

Os dois primeiros toques do telefone ainda se misturavam com os barulhos que ele ouvia no seu sonho. Do terceiro em diante ele acordou do sonho e do sono, mas ainda não percebera que era o telefone que tocava. Quando finalmente percebeu os toques já haviam parado.

Quem poderia ser, a uma hora dessas da noite? Chamadas não atendidas. Subitamente acordou do seu estado de meio-sono. Era mesmo o nome dela que aparecia no visor? Mas ela não estava em viagem? Antes que tivesse a reação de retornar a ligação, ela ligou outra vez. Precisava vê-lo. Ele nem perguntou qual seria o motivo. Ela voltou e isso é tudo o que importa. Vestiu-se, pegou o carro e foi até a casa dela.

No caminho seus pensamentos voavam numa velocidade maior do que aquela com que ele furava os sinais vermelhos. Lembranças doces de um futuro que nunca chegou a acontecer. Pelo menos não até agora.

A porta da frente estava aberta, as malas ainda espalhadas no chão da sala e o cheiro de gasolina denunciava que o táxi que a trouxera havia partido há bem pouco tempo. Ela ouviu o barulho e saiu da cozinha - uma maçã na mão - ao ver que era ele que entrava, aquele sorriso branco de dentes alinhados abriu-se quase como um reflexo. O sorriso correu em sua direção e lhe deu um abraço apertado. O último como aquele tinha sido trocado no saguão do aeroporto, um ano atrás.

Ela pediu desculpas pelo horário, mas depois de tanto tempo sem ouvir nada além de alemão precisava falar com alguém - qualquer pessoa "de um ano atrás" - e percebeu ainda no avião que ele era o único de quem ela ainda tinha alguma notícia.

Afastou-se alguns passos para trás. As mãos para trás e o Sorriso no rosto, mostrou então a mão esquerda. A luz da lâmpada refletiu no ouro que enfeitava o dedo anelar enquanto ela soltava uma gostosa risada.

O rosto dele, que até então apresentava aquela sobriedade costumeira - que ele sempre transmitia até nos momentos mais eufóricos - de repente abriu-se num sorriso, ao mesmo tempo em que ele sentia algo como se um soco tivesse atingido seu estômago, e por um instante ele teve certeza de que sua respiração tinha parado.

Ele a deu os parabéns, um novo abraço, desta vez ela estranhou que o corpo dele estava frio, gelado. Ele colocou a culpa no clima.

Por horas continuaram conversando. Ela contou animada a novidade. Estava feliz. E ele sorria com ela.

Quando já iam se despedir, ela finalmente notou algo estranho no semblante dele. Perguntou o que era. Ele lhe lançou um olhar silencioso que ela já conhecia e que dizia tudo. Ela insistiu: "você mesmo diz que algo é segredo enquanto é conhecido por apenas duas pessoas." Aprendera a frase com ele. "Não esse. É um segredo de um só homem."

Abriu mais um sorriso para se despedir e voltou para casa junto com os seus segredos de um só homem.

Segredos de um homem só.

Nós Fala Português

É bem verdade que o português não é uma língua fácil de se lidar, eu mesmo outro dia afirmei que ninguém é bom em português, algumas pessoas tem uma noção mais ampla que outras, mas bom de verdade, ninguém é. Sempre fica um erro ou outro, mas é preciso aprender a corrigir e ser corrigido.

Mas é preciso que as pessoas coloquem limites nessa coisa de ser tolerável com erros de português. Não é concebível, por exemplo, a ideia de que o órgão responsável pela fiscalização da educação de nosso país, com status de Ministério, diga-se de passagem, não tome qualquer providência e, mais ainda, aceite que nossas crianças aprendam que os político é honesto.

Primeiro porque políticos, em regra, não são honestos, e segundo porque essa segregação que vem sendo promovida indiscriminadamente por setores do governo tem que ter um fim. Estão querendo rachar o país ao meio, de uma forma desleal querem jogar o povo contra o povo.

O cúmulo de tal ação é ensinar às nossas crianças que existe "preconceito lingüístico", mais que isso, é dizer que falar o português - já tão maltrado - de forma errada é correto, não é. É absurdo aliás. É querer combater a propagação da estupidez transformando todos em estúpidos. Não é querer promover a variação lingüística, é querer rachar o país em ricos em pobres, agora criando duas línguas portuguesas, a dos ricos e a dos pobres.

Se é pra ser assim então que não se ensine mais o português nas escolas, que cada um fale e escreva como achar melhor. Ou então, em breve, estarão ensinando como enganar uma pessoa, como obter vantagens de amizades com pessoas influentes para aumentar o patrimônio e concentrar poder, como convencer as pessoas de que não sabia de nada mesmo sabendo de tudo, entre outras mazelas que assolam nosso país.


Abraço. Boa leitura.


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"O indivíduo vai para a escola em busca de ascensão social", Evanildo Bechara.

12 de maio de 2011

Pobre não gosta de pobreza!

A responsável pelo meu retorno ao blog foi mais uma dessas "campanhas" da Internet que reúnem o supra-sumo da estupidez humana.

Tudo começou quando moradores do bairro nobre de Higienópolis reclamaram da futura construção de uma estação de metrô no bairro, dentre outros motivos, pelo fato de que estações como essa costumam reunir "drogados, mendigos, uma gente diferenciada...." conforme disse uma moradora do bairro em entrevista à Folha.

Logo uma multidão de revoltados com o dito começaram a fazer uma balbúrdia sem tamanho com o bairro de Higienópolis e com a tal expressão "gente diferenciada".

Von Mises possui uma teoria interessante que diz que as idéias socialistas tendem a proliferar em países mais desenvolvidos porque "quanto mais riqueza, mais inveja." E esse caso é um exemplo perfeito de como o economista austríaco estava certo.

Ora, ninguém é obrigado a gostar de ver a sua vizinhança frequentada por mendigos e drogados! Mas pronunciar uma tal frase no Brasil soa como um insulto grave aos ouvidos daqueles que gostam de tratar os mendigos, os drogados, as prostitutas e outras figuras exóticas da nossa civilização como animais de laboratório a terem sua realidade analisada (de preferência "analisada" num documentário chato para o cinema que ninguém vai assistir).

O que se vê na internet são multidões a dizer que vão fazer uma grande mobilização. Um enorme "churrasco só de 'gente diferenciada'" em Higienópolis com a intenção (velada ou explícita) de humilhar os ricos, mostrando para eles o quanto se orgulham da própria condição "diferenciada". Bom suspeito que a verdadeira "gente diferenciada" mencionada pela senhorinha higienopolitana não tem acesso a internet, certo? Então quem é esse pessoal que vai fazer papel de palhaço no bairro chique paulistano?

Sabe aquele pessoal que inventou a tal "estética da fome" nas décadas de 50 e 60? Pois bem, são os seus discípulos dos dias de hoje que, com uma ótica esquisita, veem beleza na fome e na miséria. É o tal pessoal que tem "orgulho de ser pobre" e que odeia os ricos pelo simples fato de eles serem....ricos!

Mises chamaria de inveja. Eu chamo de estupidez mesmo. De preconceito. Existem muitos ricos legais e muitos pobres canalhas. O amor excessivo pelas coisas materiais com certeza pode estragar um ser humano, mas esse amor manifesta-se tanto em quem as têm quanto em quem não às têm mas as inveja do fundo de sua alma.

Chesterton foi capaz de resumir esse pensamento de maneira exemplar num de seus muitos aforismos: "Por especialistas em pobreza eu não quero dizer sociólogos, mas homens pobres."

E os pobres, podem perguntar a qualquer deles, não gostam da pobreza!

"Não se tornam os pobres mais ricos tornando-se os ricos mais pobres"
(Winston Churchill)