18 de maio de 2011

Sorrisos

Os dois primeiros toques do telefone ainda se misturavam com os barulhos que ele ouvia no seu sonho. Do terceiro em diante ele acordou do sonho e do sono, mas ainda não percebera que era o telefone que tocava. Quando finalmente percebeu os toques já haviam parado.

Quem poderia ser, a uma hora dessas da noite? Chamadas não atendidas. Subitamente acordou do seu estado de meio-sono. Era mesmo o nome dela que aparecia no visor? Mas ela não estava em viagem? Antes que tivesse a reação de retornar a ligação, ela ligou outra vez. Precisava vê-lo. Ele nem perguntou qual seria o motivo. Ela voltou e isso é tudo o que importa. Vestiu-se, pegou o carro e foi até a casa dela.

No caminho seus pensamentos voavam numa velocidade maior do que aquela com que ele furava os sinais vermelhos. Lembranças doces de um futuro que nunca chegou a acontecer. Pelo menos não até agora.

A porta da frente estava aberta, as malas ainda espalhadas no chão da sala e o cheiro de gasolina denunciava que o táxi que a trouxera havia partido há bem pouco tempo. Ela ouviu o barulho e saiu da cozinha - uma maçã na mão - ao ver que era ele que entrava, aquele sorriso branco de dentes alinhados abriu-se quase como um reflexo. O sorriso correu em sua direção e lhe deu um abraço apertado. O último como aquele tinha sido trocado no saguão do aeroporto, um ano atrás.

Ela pediu desculpas pelo horário, mas depois de tanto tempo sem ouvir nada além de alemão precisava falar com alguém - qualquer pessoa "de um ano atrás" - e percebeu ainda no avião que ele era o único de quem ela ainda tinha alguma notícia.

Afastou-se alguns passos para trás. As mãos para trás e o Sorriso no rosto, mostrou então a mão esquerda. A luz da lâmpada refletiu no ouro que enfeitava o dedo anelar enquanto ela soltava uma gostosa risada.

O rosto dele, que até então apresentava aquela sobriedade costumeira - que ele sempre transmitia até nos momentos mais eufóricos - de repente abriu-se num sorriso, ao mesmo tempo em que ele sentia algo como se um soco tivesse atingido seu estômago, e por um instante ele teve certeza de que sua respiração tinha parado.

Ele a deu os parabéns, um novo abraço, desta vez ela estranhou que o corpo dele estava frio, gelado. Ele colocou a culpa no clima.

Por horas continuaram conversando. Ela contou animada a novidade. Estava feliz. E ele sorria com ela.

Quando já iam se despedir, ela finalmente notou algo estranho no semblante dele. Perguntou o que era. Ele lhe lançou um olhar silencioso que ela já conhecia e que dizia tudo. Ela insistiu: "você mesmo diz que algo é segredo enquanto é conhecido por apenas duas pessoas." Aprendera a frase com ele. "Não esse. É um segredo de um só homem."

Abriu mais um sorriso para se despedir e voltou para casa junto com os seus segredos de um só homem.

Segredos de um homem só.

Um comentário:

Fahad M. Aljarboua disse...

Achei uma coisa interessante, e posso dizer que é comum que os "segredos de um só homem" sejam, também, os "segredos de um homem só", por um motivo em comum entre eles, a solidão.

E esse conto me lembrou Engenheiros: "se eu fosse um cara diferente, sabe lá quem eu seria..."


Muito bom @saviobreno! ;)