27 de fevereiro de 2011

A Banalização do Ensino Superior no Brasil

Até o fim de 2010, estavam funcionando, pelo menos, 195 unidades da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, mais conhecidos como Institutos Federais. Os programas do Governo Federal (PROUNI, FIES, REUNI, entre outros) criaram cerca de 900 mil novas vagas no ensino superior em todo o país. A maior parte das instituições públicas de ensino superior no Brasil são verdadeiros canteiros de obra, o crescimento é notável.

Tudo está uma maravilha com a educação no país, certo? Eu acho que não é bem assim.

Paulo Francis uma vez disse que "a função da universidade é criar elites, e não dar diplomas à pés-rapados". É uma afirmação forte, até nociva para alguns. Mas tento ver a universidade, sim, como um lugar onde se criam elites, mas elites intelectuais antes de qualquer coisa, ou pelo menos assim deveria ser. A academia deveria preparar homens e mulheres para contribuírem para o crescimento do país.

O PROUNI e o FIES, programas do Governo Federal, injetaram um volume impressionante de dinheiro no ensino superior privado, uma cifra difícil até de mensurar. Mas, o outro lado é que um volume tão grande de dinheiro transformou educação superior em negócio, comércio. E o objetivo de um negócio é o lucro e não criar elites intelectuais, por isso sou temeroso com relação a qualquer universidade particular. Mas não é isso o que mais me preocupa.

O que me preocupa mesmo é que é bem provável que parte desse volume de dinheiro esteja sendo jogado pelo ralo. E mais, deixando de ser aplicado em outras áreas, como por exemplo, a educação básica. Educação básica combalida, raquítica e subnutrida, como as crianças africanas. Não adianta o Governo Federal criar uma cadeira no ensino superior para cada cidadão brasileiro enquanto a maioria dos nossos estudantes do ensino básico não têm educação adequada.

Não adianta jogar a culpa no colo dos estados e municípios. Aumentar o número de vagas no ensino superior e deixar à margem a educação básica é um erro. É enviar um exército despreparado para guerra, atravessar um rio sem saber nadar. É querer apagar o incêndio que existe na educação brasileira com extintores cheios de álcool. Para os avanços do ensino superior gerarem impacto positivo na construção e no crescimento do país é preciso investir na educação básica e esperar porque os frutos só serão colhidos pelas gerações futuras.


Abraço. Boa leitura.

22 de fevereiro de 2011

Allah-u-akbar

Na minha primeira postagem aqui no blog que não é um conto, eu vou tratar de um assunto que me interessa talvez até mais do que o Direito. A História.

Nas últimas semanas temos assistido a história ser escrita diante dos nossos olhos com os protestos no mundo árabe, que começaram com um simples feirante tunisiano que revoltado com policiais corruptos que apreenderam o seu carrinho de frutas e legumes, ateou fogo ao próprio corpo e deu início a um efeito dominó que só Deus sabe onde vai parar. Pois é, vocês sabem o que dizem sobre o bater de asas de uma borboleta....

Mas eu quero falar mesmo é sobre o porque dessa região, literalmente no centro do mundo, nunca conseguir, no campo da política, uma configuração que seja estável, justa, e minimamente democrática.

A resposta é simples, mas complexa: a civilização cristã-ocidental é marcada fortemente pela existência de duas comunidades, de dois agrupamentos de pessoas: o Estado e a Igreja. Divisão bem expressa pela frase de Jesus: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." Em alguns momentos da história, estas duas instiuições foram aliadas, em outras inimigas; houve épocas em que a Igreja foi submissa e subserviente ao Estado, em outras épocas aconteceu justamente o contrário. Mas em todos os casos, sempre esteve clara a existência das duas instituições. Até mesmo em territórios administrados politicamente por bispos ou abades, onde estes exerciam também o papel de príncipes, havia uma dupla investidura: do poder espiritual pelo Papa, e dos poderes temporais pelo Imperador.

Já no Islão, essa divisão simplesmente não existe, não há dois agrupamentos de pessoas, não há duas comunidades - uma política e uma religiosa - há apenas a umma formada pela união de todos os "crentes em Alá e em seu santo profeta Maomé" e há apenas uma lei para regê-la, em todas as questões da vida - religiosas, políticas, econômicas, culturais, sociais - a Xaria, lei sagrada do Alcorão, de forma que um "Estado de Direito" aos moldes ocidentais é um corpo estranho na sociedade islâmica: eles não se dão com a idéia de um Estado que crie, administre e aplique as leis porque eles já têm todas as leis de que precisam na Xaria. E esse fato foi ao mesmo tempo a glória e a danação da civilização muçulmana.

Na época do surgimento do Islão, esta unidade foi a responsável pela expansão do Império Árabe, que em seu apogeu ia da Espanha à Índia. Quando os soldados árabes lutavam, não o faziam "pelo seu país" como faziam os ocidentais, lutavam pelo seu Deus. E o laço que unia todos os homens desse gigantesco império não eram os laços de sangue e de honra, como nos reinos ocidentais, mas era simplesmente o fato de que todos criam que "não há deus senão Alá, e Maomé é seu profeta".

Por outro lado, isso também representou a ruína do Islão. As primeiras divisões que surgiram, já na época dos Rashidun, os "califas bem guiados", e que dividiram o mundo islâmico em Sunitas, Xiitas e Caridjitas, não diziam respeito a desavenças teológicas, mas a desentendimentos políticos sobre quem deveria ser o líder único e supremo da umma. No ocidente, não se via nenhum problema em crer na mesma religião e ser governado por diferentes reis. No Islão isso era inconcebível. Em pouco tempo, dentro do ramos Xiita surgiram outros grupos (ismaelitas, zaiditas, duodecimanos....) divisões religiosas sempre originadas de questões políticas. Enquanto no ocidente, as guerras faziam surgir e desaparecer países, sem que isso afetasse o cristianismo, e a revolução protestante dividia o cristianismo, sem que isso afetasse a unidade dos reinos.

Quando Hulagu, neto de Gêngis Khan chegou a Bagdá para desferir o golpe de misericórdia no outrora glorioso Califado Árabe, o que ele encontrou foi: sunitas divididos em dois califados: o de Córdoba e o de Bagdá. Xiitas governando o norte da África e o Irã, regiões sobre as quais o Califa ainda reivindicava soberania, Califa por sua vez que estava politicamente nas mãos dos turcos, que se apresentavam como "defensores do califa legítimo e da ortodoxia sunita contra o erro do xiismo" mas que em verdade estavam governando de maneira autônoma.

Saltemos agora no tempo, para a época do decadente Império Turco-Otomano, o último império islâmico de grandes dimensões, que conseguiu esse feito unificador,não pelo assentimento unânime de todos os islâmicos, reconhecedores dos sultões otomanos como legítimos líderes da umma, mas sim pelo uso da força bruta mesmo.

Justamente por isso, os árabes lutavam e se desesperavam para se libertar do império turco, e os impérios europeus "caridosamente", e em manifestação de apoio a essas "legítimas manifestações do povo árabe contra o opressor império turco", invadiram e conquistaram pouco a pouco o império, loteando seus territórios em colônias britânicas, francesas e (em menor escala) italianas. Quando essas colônias começaram a se libertar foi que surgiu o cenário que vemos hoje. Surgiram reinos que baseavam sua autoridade não na religião, mas simplesmente no fato de que os reis haviam sido lá colocados pelos colonizadores britânicos. Surgiram também as Jamahiriyas ou "repúblicas árabes", tentativa de mesclar um modelo político europeu com uma realidade islâmica. Claro que não poderia dar certo.

As monarquias tornaram-se em boa parte absolutistas, e as Jamahiryias tornaram-se ditaduras, para desespero dos ocidentais. Qual a saída? A Turquia, depois de perder fragorosamente um império transcontinental e uma guerra mundial resolveu separar totalmente religião de estado, se "ocidentalizar"como dizem por lá. Bom para a Turquia, ruim para os turcos, que tiveram que engolir a seco um modelo com o qual não estavam acostumados. Mas, aprentemente, noventa anos depois o pessoal se acostumou e a Turquia vai razoavelmente bem das pernas no quesito democracia. A outra saída foi tomada por Irã e Arábia Saudita, mandar "esse negócio ocidental" de democracia às favas e criar uma teocracia regida unicamente pelo Alcorão. Consequência: direitos humanos desrespeitados e revolta do mundo ocidental (mas eles estão pouco se lixando para o mundo ocidental mesmo....).

A terceira saída foi tomada pelos jovens do norte da África, a partir daquele ato de autoimolação do feirante tunisiano. Sair as ruas, pôr as ditaduras abaixo e esperar pra ver que bicho dá. Alguns dos manifestantes torcem que seus países sigam o exemplo da Turquia, outros esperam que siga o rumo do Irã. O que vai acontecer? Impossível dizer. Efeitos de uma revolução sem líderes, ninguém sabe o que vai acontecer no próximo ato.

P.S.:Desculpem se me alonguei demais. É que sempre me empolgo quando falo de história.

15 de fevereiro de 2011

Se o telefone tocar?

A Coca-Cola esquentava na mesa da cozinha, ao lado de um sanduíche do qual só uma mordida tinha sido tirada. O dia já caía e ele não tinha comido nada desde a manhã, mesmo assim, um terrível embrulho no estômago o tinha impedido de comer o lanche que inutilmente tinha preparado para fazer as vezes de jantar.

Andando de um lado para o outro na sala com o controle remoto na mão, os canais da TV mudavam numa velocidade impressionante enquanto ele tentava não olhar para o telefone.

Então o telefone toca. Ele deixa o controle cair e as pilhas rolam pra debaixo do sofá, deixando a TV finalmente parada numa partida de tênis. "-Alô!" Não era ela. Era apenas a empresa de cartão de crédito. Ele desligou antes que a atendente terminasse a primeira frase. Se dirigiu à estante onde guardava as bebidas enquanto maldizia as empresas de telemarketing. Encheu meio copo com um líquido amarelo que, até onde ele lembrava, era uísque.

-"Ele possuía muitas faces. Todo o segredo do seu sucesso residia em escolher com precisão qual das suas várias faces ele deixaria a mostra para as pessoas à sua volta em cada momento da sua vida. Por um instante que talvez tenha durado menos de um segundo ele falhou e agora tudo parecia fora de controle."-

Tomou o conteúdo do copo em dois goles, tão logo o líquido quente e amargo atingiu as paredes do estômago vazio uma ânsia maior que todas as outras percorreu o seu corpo. Sua boca se encheu de algo que, para sorte do tapete da sala, ele logo identificou como sendo apenas saliva.

Caiu sentado no chão, lutando contra o próprio corpo, castigado por um dia inteiro de fome, enjoo e stress. "E se o telefone tocar novamente? E se for ela? Eu saberei o que dizer?" Veio à sua mente a frase sempre repetida por ela: "Você sempre sabe o que dizer." É. Mas por uma única vez ele não soube, e agora sentia que jamais saberia novamente.

10 de fevereiro de 2011

"O sistema é foda!"

Ainda não tinha visto o novo Tropa de Elite até algumas horas antes de resolver escrever isso, na verdade, resolvi escrever pouco depois de ter terminado de ver o filme, mas estava com bastante sono. Quando terminou o filme eu tive uma sensação deprimente, uma sensação de impotência, me senti um inválido.

O filme mostra uma realidade conhecida - mais ainda com os acontecimentos recentes no Rio -, mas acima de tudo faz isso de uma forma que choca a maioria das pessoas que tenham algum resquício de respeito e amor-próprio. Algumas cenas me causaram náuseas, ao mesmo tempo em que minha mente fazia um paralelo com a realidade próxima, ou nem tão próxima.

Me lembro da capa da Veja, à época do lançamento do filme nas telonas, que trazia estampada uma foto do Cel. Nascimento, chamando-o de primeiro super-herói brasileiro. Eu digo que antes de ver o filme eu concordaria com a Veja, mas depois de assitir Tropa 2 é impossível. O Nascimento é tão vitíma do 'Sistema' quanto eu e, provavelmente, você que está lendo.

E não importa o quanto possamos desejar bater de frente contra todo esse aparato que tem um fim único e exclusivo: a busca desenfreada e sem limites pelo poder. Poder apenas pelo poder, sem nenhum outro fim paralelo. E, no fundo, a maior parte das pessoas contribui para isso, inclusive eu e, provavelmente, você que está lendo, se não por ação mas por omissão.

O Cel. Nascimento diz num trecho do filme uma coisa que chamou minha atenção: "Imagina a merda que ia dar se o BOPE trabalhasse deputado corrupto como trabalha traficante?" E, meus caros, no fundo eu acho que a 'merda' a que se refere o Nascimento ainda seria mais digna do que as coisas como estão hoje, e o BOPE devia 'trabalhar' não só deputado, mas qualquer político corrupto. Desse jeito, quem sabe a coisa pudesse ficar menos pior que hoje.


Abraço. Boa leitura.

7 de fevereiro de 2011

O Esloveno

Depois de mais de um ano, um novo causo da Longínqua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância: O Esloveno.

***

Numa de suas caminhadas matinais pela, até então, inócua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância, eis que o homem inconveniente, que mesmo em caminhada matinal sempre estava acompanhado de sua tradicional caneca de cachimbo, se deparou com uma confusão perto da igrejinha.

Um grupo de ciganos marroquinos, que costumavam ser vistos em toda parte contando estórias fantásticas em troca de alguns trocados, parecia bastante exaltado discutindo, pasmem, com uma senhora de idade, sega, curda, imunda. As pessoas a chamavam de Justiça, mas seu verdadeiro nome fora esquecido há muito tempo.

Diante da discussão e dos bravejos dos ciganos, o homem inconveniente resolveu aproximar-se para se inteirar do fato. E descobriu que os ciganos reclamavam porque a velhota estava a começar a contar estórias melhores que as deles, e as pessoas não queriam mais pagar-lhes o que costumavam pagar no passado. Porque, apesar de estórias melhores, a velha exigia menos das pessoas.

O homem inconveniente sempre respeitara muito os ciganos, afinal sempre supôs que eles tivessem algo parecido com a massa cinzenta que ele também tinha na escrivaninha do seu quarto. Ouviu os bravejos, a revolta incontinente, mas não conseguia compreender o motivo de infundada agitação. Nesse instante acenou negativamente para um dos ciganos que ele há tempos conhecia, e em seguida foi se afastando.

Foi quando, de súbito, sentiu um puxão no braço direito, com força suficiente para derrubar sua caneca de cachimbo no chão. Aquilo o irritara, profundamente, mas a surpresa ainda seria maior. Era um cigano, mas não dos marroquinos, era o Esloveno. Um tipo estranho, apaixonado pelas pinturas de Rembrandt, por música clássica turca e pelas esculturas aborígenes da Austrália, mas que nunca lera sequer um poema de Byron.

O Esloveno começou a esbravejar, ofender e, até mesmo, ameaçar o pobre homem incoveniente, que permanecia em silêncio. E há quem diga que as palavras podem ferir, mas o silêncio indiferente pode matar. Foi o que fez o homem inconveniente. Deu de ombros, virou-se e partiu, deixando para trás um revoltoso analfabeto erudito.


Abraço. Boa leitura.


Vejam também:
A Longínqua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância
O Causo do Queijo de Coalho
A Fantástica Banda Musical