7 de fevereiro de 2011

O Esloveno

Depois de mais de um ano, um novo causo da Longínqua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância: O Esloveno.

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Numa de suas caminhadas matinais pela, até então, inócua Paróquia de Nossa Senhora da Perpétua Ignorância, eis que o homem inconveniente, que mesmo em caminhada matinal sempre estava acompanhado de sua tradicional caneca de cachimbo, se deparou com uma confusão perto da igrejinha.

Um grupo de ciganos marroquinos, que costumavam ser vistos em toda parte contando estórias fantásticas em troca de alguns trocados, parecia bastante exaltado discutindo, pasmem, com uma senhora de idade, sega, curda, imunda. As pessoas a chamavam de Justiça, mas seu verdadeiro nome fora esquecido há muito tempo.

Diante da discussão e dos bravejos dos ciganos, o homem inconveniente resolveu aproximar-se para se inteirar do fato. E descobriu que os ciganos reclamavam porque a velhota estava a começar a contar estórias melhores que as deles, e as pessoas não queriam mais pagar-lhes o que costumavam pagar no passado. Porque, apesar de estórias melhores, a velha exigia menos das pessoas.

O homem inconveniente sempre respeitara muito os ciganos, afinal sempre supôs que eles tivessem algo parecido com a massa cinzenta que ele também tinha na escrivaninha do seu quarto. Ouviu os bravejos, a revolta incontinente, mas não conseguia compreender o motivo de infundada agitação. Nesse instante acenou negativamente para um dos ciganos que ele há tempos conhecia, e em seguida foi se afastando.

Foi quando, de súbito, sentiu um puxão no braço direito, com força suficiente para derrubar sua caneca de cachimbo no chão. Aquilo o irritara, profundamente, mas a surpresa ainda seria maior. Era um cigano, mas não dos marroquinos, era o Esloveno. Um tipo estranho, apaixonado pelas pinturas de Rembrandt, por música clássica turca e pelas esculturas aborígenes da Austrália, mas que nunca lera sequer um poema de Byron.

O Esloveno começou a esbravejar, ofender e, até mesmo, ameaçar o pobre homem incoveniente, que permanecia em silêncio. E há quem diga que as palavras podem ferir, mas o silêncio indiferente pode matar. Foi o que fez o homem inconveniente. Deu de ombros, virou-se e partiu, deixando para trás um revoltoso analfabeto erudito.


Abraço. Boa leitura.


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