29 de julho de 2008

Lágrimas Divinas


Bem hoje eu acabei por passar o dia de um lado para o outro na cama, e agora mesmo tenho muitas coisas pra fazer. Mas não vou deixá-los sem uma boa dose de leitura por aqui. Apenas vou usar um texto, na verdade um conto, que eu já tinha escrito antes.

Lágrimas Divinas

De repente ele parou no meio da ponte, desceu do carro e foi até o muro de proteção, olhou para a água escura que estava lá embaixo e jogou uma moeda, demoraram alguns poucos segundos para que ele pudesse ver a água espirrar ao ser tocada pela moeda. Ele desviou seu olhar rapidamente ao ver um reflexo brilhante sob a água, ele jamais tivera visto algo parecido antes, era a mais bela Lua que ele havia observado em toda a sua vida. Mais parecia uma pintura com tintas metálicas ou uma arte tridimensional feita por um supercomputador, mas ele concluiu que era outra coisa, com muito mais significado.

Já haviam se passado quase três semanas desde um dos dias mais infelizes de sua vida, e os dias que haviam se seguido não puderam ser muito diferentes, também quem iria se sentir bem perdendo a mulher que amava. Aquela por quem tinha esperado por toda a vida, por quem tinha feito as mais doces loucuras e as mais insanas escolhas, com quem tinha passado os melhores momentos de sua vida, com quem esperava realizar os maiores planos, e justo agora quando ele tinha a encontrado, ou melhor, quando eles haviam encontrado um ao outro. Não parecia justo.

Era isso que ele pensava desde aquele dia fatídico, isso tudo que estava acontecendo não era justo. Todos os dias ao encostar-se em seu travesseiro para dormir ele lembrava os mágicos momentos que tinham vivido juntos, dos filmes, das horas na praia, das noites juntos, dos beijos à sombra das árvores, dos carinhos que tanto o inquietavam e lembrar tudo isso era doloroso, mais que isso era insuportável. Por vezes ele desejou que a maldita arma tivesse disparado quando jogou roleta russa por duas vezes ao voltar para casa na noite em que percebeu que nada mais aconteceria de novo, quando percebeu que o tempo agora seria seu maior amigo, para fazer com que a dor passasse, por mais que ele soubesse que ela seria um espaço vazio em seu coração pelo resto da sua vida, e que também o tempo seria seu maior inimigo, pois faria o favor de passar vagarosamente e se encarregaria de criar constantemente situações em que ela pudesse ser lembrada. E era duro saber que o tempo era eterno.

Ele então despertou daqueles devaneios, e se viu de volta aquela ponte. Colocou a mão no bolso do paletó, mas só depois lembrou que havia largado o cigarro, dois dias antes do fatídico dia, não por causa dela, mas porque havia encontrado um motivo para viver e o cigarro o estava matando. Mas colocar a mão no bolso do paletó não foi algo feito em vão, lá ele encontrou outra coisa, a sua pequena garrafa de uísque, e ela estava bem cheia. Ele a levou a boca, e foi derramando vagarosamente o seu conteúdo em sua garganta, de modo que fosse possível sentir sua garganta arder, aquela sim era uma dor suportável, diferente das outras que o atormentavam mesmo ali.

Olhou mais uma vez para o céu, agora a Lua estava encoberta por algumas nuvens, coincidência ou não, desde o trágico dia a cidade estava mais nublada que de costume, e chovia mais do que de costume também, parecia que o próprio Deus chorava por sua perda. Continuava a olhar o céu e, agora, via a Lua começar a sair de trás das nuvens e a brilhar novamente, e de repente fora alcançado por um pensamento diferente de todos que haviam lhe acontecido nesses últimos dias. Deu outro trago no uísque, esse mais rápido e menor, porém da mesma ardência do anterior, talvez pelo desejo nele imbuído. Entrou no carro e deu partida pensando onde poderia encontrar flores naquela hora da madrugada. A resposta apareceu em sua cabeça quase que instantaneamente.

Dirigiu então até a mesma agência funerária que havia cuidado do velório de sua esposa. Ao chegar lá o atendente prontamente o reconheceu, e fez uma cara de espanto, provavelmente pensando que o homem a sua frente havia perdido outro ente querido. Mas o que o atendente não percebeu é que o seu semblante era diferente da outra noite em que ele havia vindo. Desta vez o homem à sua frente não derramava lágrimas, nem tampouco se lamentava, ele estava quase sorridente, mas não ainda. E perguntou quanto custava uma rosa, uma única rosa vermelha. O atendente sem entender perguntou se era um botão de rosa ou uma flor do campo, e o homem demonstrando uma ansiedade feliz disse que era uma rosa vermelha, daquelas que o namorado dá para a namorada, que é vermelha porque tem paixão, que é vermelha porque paixões são feitas de dor, e dor traz consigo sangue. O homem então pagou o que o atendente lhe dissera e levou consigo uma rosa.

A Lua agora estava mais brilhante no céu, as nuvens por alguma razão haviam desaparecido, ele dirigia rápido, mas não tinha pressa, porque dessa vez ele sabia que o tempo nada podia fazer, nem demorar e nem passar rápido, nem curar e nem ferir, ele podia apenas ser o tempo, eterno e infindável tempo. Enfim chegara ao cemitério onde sua esposa estava enterrada, desceu então do carro com a rosa na mão e dirigiu-se ao túmulo onde ela estava enterrada. Lá estava gravado em uma placa de ouro:

“Lounna Alice MacGrame

« 02/10/80

V 06/08/14

A mais perfumada das flores.

Uma lágrima escorria do rosto daquele homem, e quase que ao mesmo tempo em que ela atingia o canto de sua boca, ele começava a sorrir, abaixando-se e colocando a rosa sobre o túmulo. Olhou mais uma vez para o céu, pois havia sentido um leve respingo de água no seu braço, mas o céu estava limpo e a Lua refletia a luz como ele jamais tinha visto antes. Então o homem voltou-se novamente para o túmulo e fez uma promessa a sua esposa. Prometeu que viveria os dias que ainda restavam em sua vida, sem mais lamentar por tê-la perdido, mas que viveria esses dias felizes porque tinha amado, sido feliz e isso era tudo que ele queria desde o dia que estabeleceu seus sonhos, quando ainda era criança, e jurou que viveria todos os dias de sua vida amando uma única mulher, pois esse amor não pode ser separado nem mesmo pela morte. Quase que instantaneamente após o homem acabar de falar, um raio cortou o céu e começou a cair uma chuva fina, que parecia tão suave ao tocar folhas, árvores, pedras, túmulos, chão e o próprio homem, que mais uma vez ele ponderou sobre serem lágrimas divinas aquela chuva, desta vez indo mais além, ponderou ele se estavam todos os anjos do céu a lamentar sua perda e sabia que lá, em algum lugar no céu, havia um anjo que, como ele, não mais chorava, pois estava aguardando o passar do tempo, para um novo recomeço. Por que a carne humana vem do pó e para o pó retorna, mas duas almas gêmeas não podem ser separadas nem pela morte, nem mesmo pelo tempo imortal.


Boa leitura. Abraço.

Um comentário:

Lilith Davies disse...

Gostei do conto! Bem interessante.
O blog em geral está muito bom!!