22 de outubro de 2008

Rota de Fuga


Olá pessoal. Hoje vou colocar mais um pequeno conto, só pra quebrar um pouco a rotina. E adianto que a estória narrada a seguir é bastante intrigante.

Rota de Fuga

Ele ouvia barulhos que o deixavam ainda mais nervoso, cada passo que ele dava era tomado por mais daquela agonia mórbida, tomado pela sede de ódio e rancor, desejando um segundo após o outro acabar com tudo e todos que faziam com que ele se sentisse mal, o problema é que estas eram as mesmas pessoas que ele admirava e amava no mais íntimo de sua alma, e este era um dilema que nem mesmo toda a sua capacidade era capaz de solucionar. Mais uma vez ele encontrou apenas uma solução, fugir.

Deixou aquele lugar, subiu em sua motocicleta e arrancou estrada a fora, sem se importar com que caminho seguir, ou com o que encontraria no caminho. A única coisa que importava é que ele estava numa rota de fuga. O vento na cara lhe trazia a sensação daquilo que ele nunca teve, de fato, liberdade. Por um instante ele achou que tivesse encontrado a resposta, mas ele logo percebeu que não era tão simples.

Não seria fácil seguir, o dinheiro tava acabando, a motocicleta estava com problemas, até mesmo a bebida estava escassa. Ele encostou-se embaixo daquela árvore, levou a mão esquerda ao bolso pegando seu maço de cigarros, retirou um e levou até a boca. Enquanto levava a mão direita ao outro bolso para pegar seu isqueiro, olhou para frente e suas pernas estremeceram, era impossível que seus olhos estivessem vendo aquilo, não podia ser real.

- Ora, ora, ora. Juan Camiñante. O que o trouxe a esses lados? – falou uma bela ruiva dos olhos azuis, que vinha ao lado de um homem esguio que estava com a cara fechada. O homem seguiu observando os dois e sem acreditar naquilo que estava vendo.

- Camiñante. Você sabe que não é bem-vindo nessas terras. O que faz por aqui? – perguntou o homem, com um tom de ameaça na voz.

- José, tenha calma. O Juan parece que ainda está noutro mundo – disse a mulher soltando um risinho um tanto quanto malicioso para o homem encostado debaixo da árvore.

- Ora essa, Esmeralda. Este homem é o responsável...

- Você sabe que não foi minha culpa mariachi – encostado na árvore, Juan, interrompeu antes que o outro homem pudesse terminar. – Aquilo foi um acidente, e todos sabemos disso. Ou você ainda tem alguma dúvida, José? – terminando de falar ele mexeu um pouco a jaqueta e deixou a mostra um par de pistolas negras, presas a um coldre duplo.

- Acalme-se Juan – começou a ruiva. – Esse assunto já está encerrado há anos. O que está enterrado deve permanecer assim. Mas o que trouxe você até aqui Juan? – era possível perceber que os dois haviam se envolvido no passado apenas pela maneira como a ruiva olhava Juan encostado naquela árvore.

- Estou apenas de passagem, Esmeralda. E espero não me demorar por aqui. Eu estava por perto, e a grana estava curta. Resolvi passar aqui e visitar alguns velhos conhecidos para tentar levantar uns trocados. E você e o mariachi, o que fizeram esses anos todos?

- A mesma coisa de sempre Camiñante – respondeu o homem com um rancor perceptível na voz e fuzilando Juan com o olhar. – Ao contrário de você, nós temos trabalho honesto, precisamos tomar conta do rancho pra sobreviver.

Os três ainda conversaram por um bom tempo ali, se conheciam de muito tempo e não se viam há anos. Mas a conversa foi interrompida por uma chuva fina que começava a cair. Juan subiu na moto e dava partida, quando os outros dois, já num carro, pararam do seu lado e Esmeralda falou:

- Não quer ir até o rancho e esperar esta chuva passar? – a essa altura a chuva parecia se tornar mais forte a cada instante. – Pode ser perigoso viajar com esse tempo.

Juan arrancou velozmente na moto, e Esmeralda deu de ombros desanimada. Ao lado dela José soltou um riso malicioso como quem queria dizer que Esmeralda merecia o que o homem da moto fez. Os dois então seguiram até o rancho onde moravam, bem perto dali. Ao chegarem lá a surpresa de Esmeralda só não foi maior do que a raiva de José, ao ver a motocicleta preta parada na frente da casa e Juan sentado na beira da escada que levava até a varanda com um sorriso estampado no rosto.

Ao mesmo tempo em que o sorriso parecia surgir no rosto de Esmeralda, o sorriso no rosto de Juan desaparecia, e seu semblante era tomado por um ar de angústia e desespero. Apenas quando, já tarde demais, Juan levou as mãos às pistolas o homem esguio virou-se e viu seis homens encapuzados e armados vindo em sua direção. Ele não teve nenhuma reação e um dos homens o atingiu seguidas vezes com uma escopeta.

- Esmeralda! – gritava Juan desesperadamente enquanto avançava na direção da moça e dos invasores. – Abaixe-se, ou você pode... – naquele instante Juan via uma mancha de sangue tomar conta das vestes da moça mesmo sob a forte chuva. Ele foi tomado por uma fúria incontrolável e começou a atirar nos invasores. Com movimentos rápidos e disparos precisos, coisa típica das Forças Especiais, ele matou todos eles.

Sob aquela chuva forte, naquele lugar e com o corpo da bela Esmeralda derramando sangue em seus braços, os pensamentos dele voltaram no tempo. Ele se viu no mesmo lugar, há dez anos, sob a mesma chuva. E em seus braços não estava uma mulher ruiva, e sim uma morena, dos cabelos e da pele sedosa, olhos castanhos, um largo sorriso estampado no rosto, como se mesmo depois de morta estivesse dizendo que amava o homem que estava segurando-a nos braços. Ela se chamava Cristal, a irmã mais nova de Esmeralda, os dois eram noivos, o rancho havia sido invadido por ladrões de gado, Juan Camiñante e José “Mariachi” de La Cruz eram parceiros nas Forças Especiais Mexicanas, e tentavam conter os invasores. E um deles pegou Cristal como refém, Juan pegou um velho rifle que havia na casa e acertou fatalmente este homem, o problema é que uma falha no mecanismo de disparo da arma fez com que o coice do disparo fosse maior do que o normal e acidentalmente um segundo disparo foi efetuado atingindo o peito de Cristal. Juan jamais se perdoaria por ter matado a mulher que ele mais amava na face da Terra, e muito mais porque ele não havia antes se decidido em lutar por ela e perdido muito tempo com isso, ele não pode se quer dizer a ela o quanto ele a amava.

O seu parceiro, o mariachi, jamais iria perdoá-lo e, não fosse por intervenção de Esmeralda, talvez ele tivesse acabado com a vida dele. Durante dias Juan ficou desnorteado e perdido nos próprios pensamentos, e era nos braços de Esmeralda que ele derramava seu pranto, no começo ele a tratou como se fosse sua própria irmã, mas com certo tempo ele passou a encará-la de uma maneira diferente e viu que estava começando a se apaixonar por ela. Ela era alguém totalmente diferente da irmã, e talvez isso fosse o mais impressionante em tudo isso. Cristal parecia uma verdadeira dama nos padrões da sociedade, enquanto ela não, Esmeralda era muito mais parecida com uma fora-da-lei do velho oeste. As coisas começaram a sair do controle de Juan, e ele e Esmeralda começaram a encontrar-se às escondidas. Até que um dia veio a notícia, Esmeralda estava grávida de Juan, e isso era um problema, pois se José o irmão mais velho de Esmeralda soubesse disso ninguém sabia como ele iria reagir. Esmeralda então tomou sozinha uma decisão que mudou para sempre a vida deles, ela decidiu que não iria ter aquele filho, e tomou certo veneno que evitaria que a gravidez continuasse. Mas quando Juan soube do que Esmeralda havia feito ele não perdoou a atitude da mulher e decidiu deixar aquele lugar para sempre.

Na noite antes da partida de Juan, José percebeu que Esmeralda não estava bem com a atitude dele, alguma coisa parecia incomodar demais sua irmã. E ele não suportou ver a irmã daquele jeito e decidiu ir falar com Juan. Por vezes o mariachi insistiu para que o homem dissesse o que estava acontecendo, mas ele insistia que não sabia o porquê de Esmeralda estar daquele jeito, mas quando o mariachi insinuou que Juan poderia ter feito alguma maldade à Esmeralda, ele não se segurou e revelou toda a história, sobre a gravidez e sobre o que ela havia feito. José ainda assim julgou Juan como culpado e os dois começaram a brigar, enquanto eles brigavam Esmeralda gritava e chorava, implorando para que eles parassem. Até que em um determinado momento Juan sacou sua arma e colocou na boca de José.

- Eu deveria matá-lo por você me julgar assim mariachi. Mas eu não vou fazer isso, não com você, que é quase um irmão para mim.

- Você deveria Camiñante! Deveria mesmo me matar como fez com a minha irmã, seu bastardo! – gritou explosivamente José, quando Juan afastou a arma de sua boca.

Juan atingiu José com uma pequena coronhada e o deixou inconsciente, imediatamente pegou suas coisas e partiu dali, jurando que nunca mais voltaria. Enquanto ele se afastava no horizonte, Esmeralda chorava na varanda da casa. E lá estava ele, mais uma vez sob a mesma varanda, mas desta vez era ele quem chorava, chorava uma dor que ele não iria deixar de sentir tão cedo. Ele foi até os corpos dos invasores, e então a sua dor aumentou, aqueles homens estavam atrás dele, ou seja, se ele não estivesse ali, Esmeralda ainda estaria viva, isso o deixou ainda mais culpado.

No dia seguinte, Juan enterrou José e Esmeralda junto da irmã deles sob uma velha árvore que havia no rancho. Depois de enterrá-los ele passou um tempo observando os túmulos e pensando consigo mesmo.

“Se eu não tivesse voltado para esta região eles estariam vivos, talvez se eu nunca tivesse partido eles ainda estivessem vivos. E pensar que um dia ela quase se tornou a mãe dos meus filhos, e pensar que por vezes eu e o mariachi salvamos a vida um do outro. Agora eles estão mortos e a culpa é exclusivamente minha. Eu deveria ter ouvido o velho Cortez, deveria ter fugido em direção aos EUA. Pelo menos assim, eles ainda estariam vivos e em paz...”

Naquele instante os pensamentos de Juan foram interrompidos pelo som suave e irritante de uma velha gaita. E ele virou-se para ver quem era.

- Cortez? – indagou Juan em tom de surpresa. – Como você me encontrou?

- Não se deve enterrar o passado e esconder-se num passado ainda mais antigo Camiñante. Foi fácil encontrar você.

- Mas o que o trouxe até aqui velho amigo?

- Dinheiro, Juan. Muito dinheiro.

Naquele momento o homem atingiu Juan com dois disparos, um no joelho e um no peito. Juan caiu no chão em choque, estava tremendo, sentia o sangue na garganta, suas mãos não respondiam à sua vontade, ele tentou falar.

- Você me vendeu Cortez. Você vendeu o único homem que acreditou em você.

- Não, velho amigo. Eu encomendei sua morte, a morte do único homem que foi tolo o suficiente para acreditar nas minhas mentiras e único que poderia acabar comigo. Mas você foi bom o bastante para acabar com meus homens.

- Eu vejo você no inferno Cortez. Vai ter muito que explicar para eles – disse Juan em seu último suspiro.

Naquele instante, vários agentes das Forças Especiais Mexicanas cercavam o homem chamado de Cortez e decretavam sua prisão.



Abraço. Boa leitura.

Um comentário:

Anônimo disse...

Interessante o conto, mas preferi o outro. Sua narrativa estava bem melhor no anterior!!

Beijos!